Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 418

na rua, uma aparência simples, sem vaidade, casta. Conforme afirma Daumard (1970, p.
186), o andar compassado das mulheres da boa sociedade representado nos croquis de
cenas da vida cotidiana na capital, sua fisionomia quase sempre insignificante e apagada
contrastam com os desenhos do século XVIII, que pintam uma sociedade onde a graça
não era timidez e onde a distinção feminina se alia à abastança e à segurança. Os usos e
as crenças apóiam-se no pensamento de que o papel da mulher é essencialmente
familiar e que a lei divina impôs às mulheres a aceitação de sua posição de dependência,
para viver uma vida de devoção, sem outra ambição que a de serem esposas e mães. Em
um salão, a mulher que não se preocupava em esconder seus talentos arriscava-se a ser
considerada ridícula e a se expor a comentários desagradáveis – este era o perfil de uma
demi-mondaine
como Valentine, que traiu e abandonou o marido e que vive, sem
maiores preocupações, do dote oferecido por ele desde que não mais utilizasse seu
sobrenome, voltando a adotar o de solteira.
Ao final da cena dois, a doméstica anuncia a chegada de Hippolyte Richond,
amigo de Olivier e marido abandonado de Valentine. Ela sai de cena escondendo-se
atrás do véu para não ser reconhecida pelo marido, e na cena três ele vai contar a
história do casal a Olivier, sem identificar-se como parte integrante. Richond diz que
conheceu muito bem o marido de Valentine, e diz que ele errou ao casar-se com ela.
Conta que ele era um rapaz rico, apaixonado, jovem e tímido quando a conheceu, e que
o amigo responsável pelo casamento tornou-se amante dela. O marido descobriu,
desafiou o amante para um duelo, matou-o e partiu deixando um dote de duzentos mil
francos, proibindo-a de usar seu sobrenome, o que a levou a adotar o sobrenome da
mãe.
Na cena três, Olivier faz uma descrição da Viscondessa que é bastante
significativa. Ele diz que ela é “um resto de mulher de qualidade que a necessidade do
luxo e do prazer arrastou pouco a pouco para uma sociedade fácil. Ela arruinou seu
marido, que morreu há dez ou doze anos. (...) Ela tem uma sobrinha muito bonita, com
cujo casamento ela conta para redourar seu brasão” (ato I, cena 3). Observa-se nesta
passagem não só a presença de uma aristocracia arruinada como, mais uma vez, uma
busca pela manutenção das aparências. Trata-se do gosto do luxo e da ostentação, temas
recorrentes nas descrições da sociedade parisiense.
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