A peça também mostra a
rotina de vida
de uma
demi-mondaine
, a partir da
descrição que Valentine de Santis faz de seu dia, na cena dois do primeiro ato. Ela fala
sobre a costureira que foi à sua casa apresentar provas de vestidos, dos quais um seria
para que ela vestisse no dia seguinte para ir às compras; fala das características de sua
carruagem e de sua mudança de casa e de mobília. Tais atividades, algumas das quais
poderiam ser vistas simplesmente como fúteis, outras extremamente dispendiosas,
levantam a questão da fonte de renda responsável pelo pagamento destes altos gastos.
Esta desconfiança é apresentada, mais uma vez, pelo
raisonneur
Olivier, que pergunta
“com o que você pagará tudo isto?”, ao que recebe como resposta o dote (ato I, cena 2),
administrado pela figura do “homem de negócios”, espécie de administrador mas
também de agiota, que lhe adiantou o dinheiro da venda de um imóvel que ela possui.
Neste momento,
as questões financeiras se misturam às questões conjugais
.
Segundo Valentine, quando do esgotamento de suas fontes de renda, o marido deverá
servir-lhe uma pensão “ou, se não houver outra alternativa, eu voltarei para ele”. Após
provocação de Olivier – “Aí está um marido de sorte! (...) Mas se ele se recusar?” (ato I,
cena 2) -, Valentine de Santis afirma que ele não pode se recusar a recebê-la de volta,
pois não são separados judicialmente, portanto ela tem o direito de voltar ao domicílio
conjugal quando bem entender.
Valentine continua a narrar seu dia e cada fala é bastante representativa em
relação aos costumes daquela sociedade, reforçando a cada momento o moralismo do
autor. A
demi-mondaine
encontra várias pessoas na Avenida Champs-Élysées, todos
homens, e os convida para um chá em sua casa. Comenta ainda o convite que recebeu
do Senhor de Calvillot para jantar, e que ficou responsável por convidar as mulheres.
Em outra passagem, Valentine depara-se com um comentário típico de um
raisonneur
moralista, quando Olivier diz que “está tudo preto em volta dos olhos”, denunciando o
uso de maquiagem
. Ela diz que usa “pó de arroz, como todas as mulheres”, inicialmente
nega que utiliza o
rouge
, mas acaba confessando que usa “um pouco à noite, e ainda
assim é muito raro”. Finalmente, admite que pinta os olhos “porque é a moda”, mas,
segundo Olivier, “não para uma mulher de respeito” (ato I, cena 2).
Ora, a mulher bem criada não deveria ser notada nem estar maquiada. Na
sociedade pudica do século XIX, o bom tom exigia da mulher uma extrema reserva e,