O
ethos
não é apenas um meio de persuasão: é parte constitutiva da cena de
enunciação, atuando como uma máscara enunciativa na qual o que é dito não é
necessariamente o que se é, mas uma maneira de se apresentar,
de forma a obter
legitimidade junto ao público
.
Se “o texto não se destina a ser contemplado, é
enunciação estendida a um co-enunciador que é necessário mobilizar para fazê-lo aderir
“fisicamente” a certo universo de sentido”, conforme explica Maingueneau (2001,
p.137), é o
ethos
o responsável por esta tarefa. Para o co-enunciador, o
ethos
permite
que a obra tome corpo, fenômeno designado por Maingueneau como
incorporação
.
Como a instância que assume o tom de uma enunciação não coincide
necessariamente com o autor da obra, ao ler ou ao assistir a peça, o co-enunciador
produz uma
imagem
desta origem enunciativa, que adquire uma
corporalidade
e um
caráter
a partir de indícios textuais percebidos e de estereótipos culturais carregados por
este co-enunciador. A esta “origem” enunciativa o co-enunciador atribui uma forma
encarnada, que será para ele o “fiador”, o responsável pelo enunciado (Maingueneau
2001, p. 139).
Porém, cabe aqui considerar a duplicidade do diálogo teatral, em que não só o
autor se dirige ao público através da representação ou do próprio texto, como também,
na situação representada, os diálogos das personagens constituem um contexto
enunciativo supostamente autônomo, caracterizando duas situações de enunciação
distintas. Diferente de um romance, em que o autor sustenta o processo narrativo, no
teatro a presença de interlocutores aparentemente autônomos supõe uma fonte
enunciativa invisível que integre o conjunto de seus enunciados: o arquienunciador
(Maingueneau 1996, p. 160).
De acordo com Maingueneau, “o arquienunciador é uma instância distinta do
escritor, encarrega-se de uma rede conflitual de posições enunciativas”
(MAINGUENEAU, 1996, p. 160). Mesmo quando o autor utiliza personagens porta-
vozes para expor sua opinião ao público, em regras gerais a única enunciação que se
pode atribuir verdadeiramente ao autor é a interação das enunciações de todos os
personagens, caracterizando uma multiplicidade de vozes, uma polifonia. Contudo,
observa-se que Dumas Filho se utiliza da personagem
raisonneur
não só para expor sua
opinião mas também para defendê-la, já que é este o objetivo de suas comédias-tese.