Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 416

A relação de Olivier com sua família é então descrita por ele de forma moralista. Em
sua fala, Olivier diz que sua família se resume à sua mãe, que se casou novamente após
tornar-se viúva e com cujo marido teve que disputar a fortuna do pai. Para ele, “uma
mãe viúva não deveria jamais se casar novamente”, pois “retirando de sua vida o nome
do pai de seus filhos, ela se torna quase uma estranha para eles” (ato I, cena 1). Esta
passagem leva, mais uma vez, a identificar Olivier como o porta-voz mais autorizado do
autor – ele é o
raisonneur
, aquele que tem a visão do todo.
Intimamente ligada a estes tópicos está a
questão da situação da mulher na
sociedade
. Ao enumerar as razões pelas quais não se casaria com Marcelle, Olivier
menciona que é desejável que a mulher que se toma para esposa não conheça nada da
vida, pois “as senhoritas que têm, antes do casamento, uma reputação cheia de espírito e
independência, se tornam esposas deploráveis” (ato I, cena 1). Estas são características
de Valentine de Santis, que, segundo, ele, não é uma companhia adequada para uma
moça de vinte anos como Marcelle.
Isto é dito por Olivier porque, de fato, embora o casamento desse à mulher uma
posição na sociedade burguesa, sendo a mulher solteira com mais idade desprezada e
condenada a viver à margem da sociedade, a mulher casada também era considerada em
uma posição de inferioridade. Excluída das responsabilidades cívicas e da maior parte
das manifestações legais da vida coletiva, na vida privada ela era submetida à
autoridade do marido. O regime da comunhão legal ou contratual que regia a união
conjugal dos franceses reforçava a autoridade marital. A comunhão consagrava a
incapacidade da mulher casada: o marido é o senhor dos bens comuns, ele tem direito à
administração e ao gozo dos bens da esposa (Daumard 1970, p. 185).
O
casamento
é, nesta sociedade do
demi-monde
, mais uma necessidade e um
arranjo conveniente do que a vontade de duas pessoas que se amam de constituírem uma
família. De fato, conforme explica Daumard, antes de ser um indivíduo, o burguês
parisiense é homem de família ou chefe de uma associação conjugal; o que também
pode ser observado na pequena aristocracia da província. A maioria dos casamentos da
“boa sociedade” se dava entre duas famílias e não entre dois indivíduos. Geralmente,
era feito para adquirir certa posição social ou para consolidá-la: era praticamente uma
associação de interesses, e a quase totalidade das uniões era precedida de um contrato
de casamento.
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