preservar. A escrita, mais do que a fala, preserva em si o valor simbólico da língua.
Estabeleceu-se a partir daí a dicotomia que nega a relação constitutiva entre fala e escrita,
colocando-as em pólos opostos entre si. Entretanto, ainda que corresponda ao senso
comum, essa não é a única maneira de conceber a escrita.
Ao eleger-se a escrita como objeto de estudo, pode-se abordá-la de duas maneiras:
aceitando-a como produto ou como processo. Essas duas formas de se abordar o objeto
resultam de importantes escolhas teóricas anteriores. Escolhas que se constroem,
principalmente, a partir das noções de língua e de sujeito.
Entender a escrita como produto é identificá-la com uma tradição científica que
valoriza relações estruturais. Vista como um produto, a escrita resume-se a um sistema de
representação gráfica que, por sua vez, corresponde a um conjunto de símbolos capazes de
traduzir a fala (som) em materialidade gráfica (letra). Em relação à língua, a escrita seria
um instrumento de materialização gráfica das normas e regras estruturais ─
fonético/fonológicas, lexicais, sintáticas ─ coletivamente compartilhadas entre os usuários
do sistema da língua.
De acordo com esse modo de pensar a escrita, o texto seria, então, uma mensagem
pronta para ser decodificada por indivíduos que compartilhem do mesmo código escrito.
Ao escrevente, bastaria o domínio desse sistema. Consequentemente, a partir dessa visão,
três afirmações tornam-se possíveis. Em primeiro lugar, a noção de sujeito que se constrói
é a de usuário, ou seja, de alguém que se apropria de um código e passa a produzir suas
mensagens de acordo com ele. Em segundo lugar, escrever é codificar mensagens que,
quando recebidas, causarão um efeito de sentido previamente determinado pelo escrevente.
E por fim, a atividade dos sujeitos envolvidos com a escrita restringe-se a
codificar/decodificar uma mensagem.
Por outro lado, aceitar a escrita como processo é passar a entendê-la como um
modo de enunciação. Vale ressaltar que enunciar não é o mesmo que comunicar.
Comunicar implica na presença de um emissor que constrói sua mensagem para um
receptor. Já enunciar implica numa relação de alteridade, ou seja, há uma referência ao
outro que está fora do enunciador. Essa relação de alteridade pode constituir-se de
maneiras diferentes, de acordo com teorias distintas.
Tendo-se por base os princípios do dialogismo (BAKHTIN, 1997) e da
heterogeneidade (AUTHIER-REVUZ, 2004), assume-se que o sujeito dialoga com a