Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1190

formando no seu espírito, ainda estremunhando: - era uma noite, havia anos, em São
Carlos, num camarote com Jorge; uma luz elétrica dava ao jardim, no palco, um tom
lívido de luar legendário; e numa atitude extática e suspirante o tenor invocava as
estrelas; Jorge tinha-se voltado, dissera-lhe: “Que lindo!” E o seu olhar devorava-a. Era
no segundo mês do seu casamento. Ela estava com um vestido azul-escuro. E à volta, na
carruagem, Jorge, passando-lhe a mão pela cinta, repetia:
Al pallido chiarore
Degli astri d´oro...
E apertava-a contra si...
Ficara imóvel à beira do divã, quase a escorregar, os braços frouxos, o olhar
fixo, a face envelhecida, o cabelo desmanchado. Basílio então veio sentar-se
devagarinho junto dela. Em que estava a pensar?
- Nada.
Ele passou-lhe o braço pela cinta, começou a dizer que havia de procurar uma
casinha para se verem melhor, estarem mais à vontade; não era mesmo prudente ali em
casa dela...
E falando, voltava a cada momento o rosto, soprava para o lado o fumo do
charuto.
- Não te parece que vir eu aqui, todos os dias, pode ser reparado?
Luísa ergueu-se bruscamente, lembrara-lhe Sebastião!... E com uma voz um
pouco desvairada:
- Já é tão tarde! – disse.
- Tens razão.
Foi buscar o chapéu em bicos de pés, veio beijá-la muito, saiu.
Luísa sentiu-o acender um fósforo, fechar devagarinho a cancela.
Estava só; pôs-se a olhar em roda, como idiota.
O silêncio da sala parecia enorme. As velas tinham uma chama avermelhada.
Piscava os olhos, tinha a boca seca. Uma das almofadas do divã estava caída, apanhou-
a. (pp. 133-135)
Sequência 3
E com um ar sonâmbulo entrou no quarto. Juliana veio trazer o rol. E já vinha
com a lamparina, estava a arranjá-la...
Tinha tirado a cuia; subiu à cozinha quase a correr. A Joana, que estivera
dormitando, espreguiçava-se com bocejos enormes.
Juliana pôs-se a arranjar a torcida da lamparina; os dedos tremiam-lhe; tinha
no olhar um brilho agudo; e depois de tossir, devagarinho, com um sorriso para Joana:
- Então a que horas veio o primo da senhora?
- veio logo que vossemecê saiu, estavam a dar as nove.
Ah!
Desceu com a lamparina; e sentindo Luísa na alcova despir-se:
- A senhora não quer chá? – perguntou, com muito interesse.
- Não.
Foi à sala, fechou o piano. Havia um forte cheiro de charuto. Pôs-se a olhar em
redor, devagar, andando com um passo sutil... De repente agachou-se, ansiosamente: ao
pé do divã uma coisa reluzia. Era uma travessa de Luísa, de tartaruga, com aro dourado.
Tornou a entrar no quarto em pontas de pés, pousou-a no toucador, entre os rolos de
cabelo.
- Quem anda aí? – perguntou da alcova a voz sonolenta de Luísa.
- Sou eu, minha senhora, sou eu, estive a fechar a sala. Muito boas noites,
minha senhora! (pp. 135-136)
Estruturas discursivas
Sintaxe Discursiva
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