clássico momento do pacto, mas uma invasão das forças obscuras, encarnadas em uma
pulga que toma posse do corpo do protagonista, fala em seu ouvido, canta e se deleita
com seu sangue. É o vampirismo da pulga, em primeiro lugar, que nos remete ao pacto
mefistofélico. Por isso, o sangue torna-se um importante elemento na atmosfera do
mito. A substância do sangue tanto pode simbolizar o tormento como pode simbolizar a
salvação e isso vai depender exclusivamente do ego que vai vivenciar a experiência.
Nesse sentido, o absurdo kafkiano ao qual o próprio nome do protagonista alude torna-
se parte de sua rotina e este não se desvincula mais daquela que porta-se, durante quase
todo o tempo, como uma mãe autoritária. Em várias passagens a pulga assume a posição
de demônio logrado e, em outras, se sobrepõe ao seu hospedeiro até alcançarem uma
relação harmoniosa, ou seja, um casamento feliz. O aprendizado que Dionísio adquire
com a pulga assemelha-se, em certa medida, ao aprendizado dos protagonistas
adolescentes que povoam as narrativas de Carlos Ruiz Zafón, cuja alegoria alude aos
rituais de iniciação à vida adulta, quase sempre dolorosos porém recheados de
aventuras, mistérios, além de muitos e até trágicos amores. Porém, é oportuno ressaltar
que a comicidade discursiva da narrativa de Covadlo aproxima-se mais da linguagem
irônica e paródica de Álvaro Cardoso Gomes.
Referências Bibliográficas
COVADLO, L.
Criaturas de la noche
. Barcelona: Acantilado, 2004.
DABEZIES, A. Fausto. In: BRUNEL, P. (Dir.)
Dicionário de mitos literários
. 3.ed. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2000.
GOETHE, J. W. Fausto. Tradução de Jenny Klabin. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991.
GOMES, A. C.
Os rios inumeráveis
. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
MASON, J.
O Dr. Fausto e seu pacto com o demônio
– O Fausto Histórico, o Fausto
Lendário e o Fausto Literário. Rio de Janeiro: Objetiva, 1989.
