Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 909

um palhaço em um jardim de estátuas ou num espectro que emerge das águas oceânicas
para agarrar o pequeno Jacob. Apesar de todas essas imagens que estão intimamente
relacionadas à demonologia, Caín assume também a aparição clássica do diabo que
surge em meio às névoas, com um misto de mago e embusteiro do Fausto lendário,
envolto em uma capa com o símbolo da estrela de seis pontas e possuidor dos mesmos
dotes do gênio da lâmpada mágica de Aladim, mas sempre estabelecendo um pacto de
lealdade com seus seguidores e punindo severamente aqueles que descumprissem o
trato.
No
Fausto
de Goethe, uma das primeiras aparições do diabo remonta à tradição
folclórica e este surge na forma de um cão flamejante que se agiganta e se torna
semelhante a um hipopótamo para, posteriormente, reaparecer sob a forma moderna de
um “escolar viandante” e também como um “nobre fidalgote”, coberto de “rubras vestes
de veludo” e “capa de rígido cetim” (Goethe, 1991, p.78). Essas características apontam
para um demônio intelectual e vampiresco que será o protagonista das outras duas
narrativas contemporâneas, objetos de nossa análise,
Os rios inumeráveis
e
Criaturas de
la noche
.
Na obra
Os rios inumeráveis
(1997), de Álvaro Cardoso Gomes, o autor utiliza-
se do ressurgimento de um espírito que costura o conjunto da obra e que o leitor
identifica como o mesmo, sobretudo pelo jogo que se realiza em torno de seu nome,
pois embora seja mutante, assim como ele, conserva sempre uma marca. Para
Weinhardt (2000, p.69), esta obra dialoga com múltiplos recortes da produção cultural
de cinco séculos e nos possibilita acompanhar a constituição da sociedade brasileira.
Além disso, a estudiosa aponta que o autor utiliza-se de vários recursos como a
metamorfose, reencarnação, metempsicose e transmigração para unir os Livros (forma
com que se intitula cada capítulo da obra) que compõem seu conjunto. Por isso, vamos
enfocar somente o Livro VII, que leva o título de “O filho do cão” e tem o propósito de
realizar uma releitura, por meio da literatura, da saga do personagem histórico Lampião
e seu bando estabelecendo, com este fim, uma teia intertextual que é explicitada no
Posfácio, onde o autor assinala as sendas pelas quais se enveredou para escrever cada
Livro.
Segundo o narrador, “Fernando cão” ou “Fernando diabo” recebeu este cognome
porque foi vítima da injustiça de muitos biógrafos e da História Oficial, texto com o
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