Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 908

Apesar desse feito, Jacó é consagrado na Bíblia como um herói enquanto Esaú é
considerado um ignorante. A história desses irmãos, que compõe o Livro de Gênesis,
parte integrante da Bíblia, também inspirou uma obra de Machado de Assis e configura
um dos episódios mais debatidos da Bíblia Hebraica.
Na moral da história narrada por Zafón, fica evidente a punição herdada, na qual
os filhos pagarão pelos erros dos pais, além da concepção renascentista que alude ao
comércio das almas. À semelhança do que ocorre com a figura de Jacó na Bíblia, o
personagem de mesmo nome na obra de Zafón é convertido em verdadeiro herói no
final da narrativa, salvando a mocinha pela qual se apaixonara por meio de uma
performance digna dos super heróis americanos que conseguem, no último instante,
reverter um quadro que parecia fadado ao fracasso. Por isso, perseguidos pelo demônio
dentro de um navio fantasma, Jacob coloca seu último sopro de vida na boca de Alicia,
selando o final com um beijo romântico de amor e morte. Contudo, diferentemente do
que ocorre com Jacó no texto bíblico, a astúcia de seu pai não consegue livrá-lo do
demônio, que vem cobrar a sua dívida depois de vinte e cinco anos, à semelhança do
que ocorreu na lendária história do doutor Fausto. Em contrapartida, diferentemente da
lenda renascentista do Fausto, que almejava a totalidade do conhecimento, o que move
o pacto de Fleishmann é um motivo romântico, que gira em torno da posse do elemento
feminino. O pacto foi estabelecido entre Fleishmann e Caín por causa da disputa entre o
primeiro e seu amigo Victor Kray, ambos apaixonados pela mesma mulher, que também
recebe um nome bíblico na narrativa de Zafón, Eva, aquela que conduz à queda.
Evidentemente, Caín, um dos nomes assumidos pelo Príncipe de la niebla, alude à
história bíblica do delito cuja punição é vagar pelas trevas, assim como as personagens
satânicas, que se convertem em criaturas da noite. Há também todo um conjunto de
símbolos que se referem à magia e que fazem parte das descrições do personagem Caín
e de seu cenário. A estrela de seis pontas, a sua atuação como mago, suas vestimentas,
seu retorno após vinte e cinco anos para cobrar a dívida, além de referências a
Copérnico ao longo da narrativa, evidenciam a intertextualidade que a obra de Zafón
estabelece com o mito fáustico da lenda renascentista. Assim, o elemento satânico da
narrativa de Zafón encarna a figura do demônio popular que se caracteriza pelas
inúmeras metamorfoses e, por isso, podemos considerar que sua primeira aparição na
narrativa toma a forma de um gato preto para converter-se, posteriormente, na figura de
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