tempo, Fernando Cão, em seu diálogo com a irmã, alude às teses teológicas sobre o
diabo, tal qual nos refere Muchembled (2002, p.28), quando menciona que o Concílio
de Trento, em 447, descreve o demônio como um ser grande e negro que desprende um
cheiro sulfuroso, olhos flamejantes, dotado de chifres, orelhas de asno e com um grande
pênis. São esses traços que misturam características de deuses pagãos, como Pan, com
outros forjados pelos teólogos. Veja a semelhança dessa descrição com a que o padre
Inácio faz a Isabel: “Viu o Cão, Isabel, como ele é? É preto, com chifre de bode e olho
de fogo” (Gomes 1997, p.318).
O quarto e último episódio do Livro VII encerra-se com a versão do cordel, que
minimiza a culpa atribuída ao pai e coloca Fernando Cão como um indivíduo cuja má
índole já se revela desde criança quando ele impiedosamente mata os animais. Além
disso, o episódio alude metaforicamente ao casamento do demo a partir da relação
incestuosa e que culmina no parricídio. Por fim, o desfecho do livro VII é dado pelo
cordel onde Fernando cão é transformado em mulher após rogar ao demônio que este
cumpra o seu trato salvando-o da guerra, visto que o pacto firmado lhe conferia o poder
de cobrá-lo, já que o transformara em seu filho.
A obra
Criaturas de la noche
(2004), do argentino Lázaro Covadlo, apresenta
muitos pontos de contato com o romance do brasileiro Álvaro Cardoso Gomes,
sobretudo no que se refere ao recurso da metamorfose. A obra de Covadlo tem como
personagem uma pulga que transita durante séculos, habitando em animais primitivos
até chegar no homem. O pacto torna-se evidente na relação da pulga com o homem que
não consegue prosperar em seus negócios e conta com os valiosos conselhos da pulga
para obter êxito. Em troca de seus conselhos, a pulga instalada em sua orelha alimenta-
se de seu sangue e de outros fluídos vitais.
O pacto, seja com o demônio ou com outro representante das forças do mal
aparece, quase sempre, como um elemento deflagrador movido por uma carência de
fortuna, amor, juventude, saber, dentre outros. Na narrativa
El Príncipe de la niebla
o
pacto ocorre em função do desejo de possuir a mulher; já em
Os rios inumeráveis
Fernando cão almeja livrar-se da morte e obter um corpo fechado para escapar das
emboscadas do sertão e, em
Criaturas de la noche,
o protagonista Dionísio Kauffmann,
homem fracassado financeiramente e desajustado na vida social, deseja ascender
socialmente e reconquistar a mulher amada. Nessa obra, contudo, não presenciamos o
