Prontamente protestei com o ardor de quem arreda de si uma calúnia e, deixando à
margem e de uma vez o louro tipo que me inclinava a infringir
por pensamento
o
nono mandamento [...]. (
id.
,
ibid.
, p.212)
Leyla Perrone-Moisés, em um de seus ensaios críticos (“Flores da
escrivaninha”), fala sobre esse livro, revelando, portanto, a temática abordada por
Balzac, a qual também é enfatizada na narrativa de Taunay: “Trata-se, afinal, de uma
intriga pobre e bastante comum do século XIX — adultério
versus
princípios morais.”
(1990, p.44). Além disso, ela discorre sobre a segunda parte desse livro balzaquiano
(intitulada “Os primeiros amores”), a qual descreve buquês de flores, para refletir o
papel que a metáfora floral desempenha no romance:
As descrições dos buquês de flores em
O lírio do vale
não constituem uma parada na
narrativa (para informar, distrair ou convencer o leitor), mas são uma continuação da
narrativa em outro nível. Essas descrições aparecem num momento de impasse da
intriga, quando se verifica a impossibilidade de realização e de expressão direta (para
as personagens e para o narrador) de desejos que a moral proíbe. (1990, p.45)
Da mesma forma que Balzac utiliza a
comunicação floral
para sugerir alguns
desejos proibidos, Taunay se vale de alguns objetos para também sugerir o diálogo
entre Eugenio e a viuvinha, o qual não seria bem-visto pelos padrões morais da época.
No decorrer das páginas, percebe-se esse investimento alegórico em pelo menos
três objetos que assumem a função de exprimir o desejo erótico: o piano, a botina de
Eugenio e o “acetinado e gentil calçado” da viuvinha. O primeiro deles estabelece um
código musical entre os envolvidos, pois são as teclas do instrumento responsáveis por
traduzir o que se passava no pensamento e, portanto, só poderia ser compreendido
pelos dois:
De posse novamente do teclado, perguntei por meio de altivas cromáticas se era
intenção sua inabalável não render mais culto à paixão, rebelar-se contra o influxo do
mitológico Cupido.
E com que direito? — interrogou sombrio um repentino ponto de órgão. (TAUNAY,
1878, p. 207)
No início do segundo capítulo, são os pés revestidos desses dois significativos
calçados que estabelecem o diálogo velado entre os personagens. Para tanto,
selecionamos alguns trechos dessa conversa: