provisão. No entanto, prepondera o efeito do sermão do seminarista que Gedeão supunha
ocupar posição superior a do padre.
Mesmo o sentido equivocado da hierarquia favorece Gedeão, irredutível em sua
interpretação literal do mito. O padre sabia menos da verdade que os missionários que
haviam passado pelo lugar, os responsáveis pelo sermão cujos fragmentos convencem o
herói a deixar que Deus cuide dele como dos passarinhos. Os missionários fazem as
vezes do narrador viajante cujas experiências, identificáveis à sabedoria do que narra,
não podem ser contestadas pelo ouvinte sedentário, o que proporciona uma ocasião ideal de
audição. “A figura do narrador só se torna plenamente tangível se temos presentes esses
dois grupos”: o narrador viajante e o povo sedentário (BENJAMIN 1987, p. 198). O que
vem de longe pode ser o portador de uma nova verdade. “Desfez no padre depois, de
confuto, pensou um sussurro: ‘
Missionário é mestre deles
...’ – e aquêle já longe andava.
Era homem entendido de si, sua noção abecedada, a ver verdades” (ROSA 1979, p. 78). O
perigo do exemplo é superado pela dúvida. Ou seja, por outra e outra leitura
compreendemos, ainda que tentados por humor a pensar no assunto – e se todos param? –,
que o supra-senso não nos propõe a prosperidade sem trabalho.
Deu-lhes de supor: que ali o plus e extra houvesse, seus silêncios parecendo
cheios de proveito. Descobrira acaso enterrada panela de dinheiro, somente e
provavelmente, pelo que, certifico, estudava o mandriar, guardada ainda sua
munificácia, jubiloso do achado. O segredo circula, quando mais secreto? O grão
respeito começava (ROSA 1979, p. 79).
O narrador comporta-se, a princípio, em terceira pessoa, como um porta-voz de caso
público, como se tratasse de um mito local. O caso público seria a anedota de não senso.
Para o povo, o “plus” e “extra” seriam “panela de dinheiro” e o supra-senso é um segredo
do herói. A partir de uma anedota de não senso, a estória produz o supra-senso por um novo
mito. Já não se trata do Sermão aludido, mas do novo mito fundador que se torna a estória
de Gedeão. Os missionários e o padre são porta-vozes de mitos e das interpretações
adequadas. Gedeão apanha um fragmento do mito e acata seu sentido literal como
fundamento de uma mudança radical em suas práticas. Tanto a família do herói como o
povo não acatam a interpretação errada do herói, talvez nem a identifiquem como tal: o
herói é expulso de casa e trazido de volta pelo povo que o beneficia. Assim, a
estória demonstra que os efeitos dos mitos e as interpretações ajudam a produzir as