influi no povo evidencia a função do mito: favorecer as sociedades com sistemas de
pensamento que recorrem a não sensos e incluem os extremos do pensamento paradoxal,
permitindo-o progredir em todas as direções. O paradoxo e o mito oferecem dificuldades ao
pensamento ao produzirem sentido alusivamente e impedirem sua fixação por um
enunciado objetivo. Assim, colocam o sentido em liberdade.
Gedeão deixa de trabucar, sendo arrimo de família, acatando o mito literalmente,
dando o que falar ao povo, a mulher “irosa, chorosa”, como um avesso humorístico da
estória de Jó, em ameaça de miséria. “Fé é o que abre no habitual da gente uma invenção,
Gedeão, entre outros alívios, o que abala a base. Teimava aceso, em si, tralalarava. O à-toa
havia de desempenhar-se. Ele bebendo? Não. Se todos fizessem assim, eh? – ‘
Não fazem
.’
” (ROSA 1979, p. 78). A decisão de Gedeão de parar de trabalhar não pode ser prescrita e
essa é uma estória que requer humor para não parecer esdrúxula. Talvez essa negação aluda
a algum tipo de universalidade, não a da exemplaridade da ação do herói, mas da sua
fundamental associação com o sentido superior ao qual a imaginação vai fornecendo
progressivamente determinações práticas. O sentido provocativo e gracioso dessa estória
depende do não senso da anedota.
O supra-senso é sugerido no desnível entre a anedota e a estória. A anedota é de não
senso: o herói pára de trabalhar e prospera. A estória sugere o supra-senso como
fundamento direto das práticas do herói e indireto das reações do povo. Atribuir o bom
destino de Gedeão a seu erro interpretativo é insuficiente, pois ele é complementar ao erro
do povo que adivinhava panelas de ouro enterradas e ao erro dos missionários em não
administrarem a contento as potencialidades do mito chegando mesmo a provocarem a
audiência à valentia superior a dos pássaros. Nem o longo sermão do missionário, que
Gedeão ouviu cochilando, nem o tom proverbial e didático do padre local puderam
remediar a situação. “
Quem põe e não tira, faz monte. Quem tira e não põe, faz buraco
...”
(ROSA 1979, p. 78). Em
Tutaméia,
os provérbios em geral aparecem violados ou com
diferenças em relação ao padrão do provérbio parodiado. Já nesse caso, o padre recorre ao
provérbio como recurso de intimidação e tenta re-inserir Gedeão na posição anteriormente
ocupada na comunidade ordenada de modo compatível ao ensinamento aí transmitido: o da