convoca-o à reflexão acerca de sua própria realidade em que também acontecem
“inúmeras coincidências”, “milagres”, “delicadezas”. Assim, a leitura permite, por meio
da coesão lexical, um olhar poético acerca do trivial, do cotidiano, o que também
justifica o título deste artigo.
Conforme as classificações propostas por Candido, pode-se notar que o texto de
Clarice rompe com as linhas de força apresentadas pelo autor quanto à composição,
enquadrando-se em praticamente todas. Dessa forma, aproxima-se da crônica: diálogo,
tratando de um tema sério sob a forma de uma conversa informal que, contudo, solicita
do leitor uma reflexão sobre a realidade imediata;
poesia, pois há o
predomínio do
lirismo, da construção poética, na qual o “eu”, com suas impressões e experiências
subjetivas, assume o plano central do texto; biográfica, pois de forma lírica, o texto
relata uma experiência de vida ao redor da qual se constrói todo o enredo.
Pode-se destacar, ainda, que a crônica de Lispector, no trabalho em sala de aula,
permite ao mediador revelar ao jovem leitor um narrador que não se posiciona como
autoritário e profundo conhecedor dos fatos e eventos que relata, antes dissimula seu
discurso porque, justamente, busca compreender a realidade que o cerca. Para o jovem,
este narrador, inseguro daquilo que narra, torna-se atraente, pois apresenta-se como
mais humano e próximo de seu universo, sua realidade.
A delicadeza da produção de Clarice avulta justamente, conforme João
Alexandre Barbosa, na leitura do intervalo, em que entre o enunciado e a enunciação
opera-se a aglutinação dos significados pela intensidade dos significantes textuais,
fazendo desaparecer, nos limites, a prevalência absoluta dos significados, sem que se
esvaia a sua existência concreta (apud AZEVEDO, 2002, p.17).
Referências
AZEVEDO, Silvia. Clarice Lispector ou a literatura como conhecimento. In:
ROSSONI, Igor.
Zen e a poética auto-reflexiva de Clarice Lispector
: uma leitura de
vida e como vida. São Paulo: UNESP, 2002, pp.11-17.