rolando sua pedra como castigo de Zeus. Há, então, por meio do diálogo informal, uma
referência intertextual que projeta o leitor implícito como conhecedor de mitologia. A
intertextualidade torna o texto mais interessante e saboroso para o jovem leitor, pois
substitui o relacionamento autor-texto pelo leitor e texto, situando o
locus
do sentido
textual dentro da história do próprio discurso (BARTHES, 1977; RIFFATERRE, 1984,
apud HUTCHEON, 1991, p.166). A mediação deste texto em sala de aula permite o
reconhecimento de um texto dentro de outro. Este adentrar dos discursos, por sua vez,
conota o próprio ocultar-se da afirmação do milagre, somente revelado ao término da
leitura. Desse modo, é perceptível que o texto contraria seu aspecto descompromissado
e quase coloquial, trazendo à tona, pela dialogia com uma narrativa mítica, uma
metáfora via comparação entre o “eu” e os “outros”. Além disso, o texto aproxima, de
forma paradoxal, discursos excludentes: narrativa mítica e narrativa acerca de tema
cristão – “milagres”. O que instaura uma ressignificação do termo e uma ampliação: os
milagres são para todos, cristãos ou não.
A narradora é, pois, daquelas que não recebem o milagre pronto, acabado,
bastando gozá-lo pelo beneplácito da vida, do divino. O vazio de sentido propiciado
pelo início da crônica, aparentemente sem assunto, preso ao fático e metalinguístico, é o
espaço perigoso, onde repentinamente o leitor inexperiente vê-se no olho do furacão. A
metáfora nada despropositada diz sem dizer, justamente por meio das lacunas nas quais
as inferências ocorrem. A narradora é um Sísifo moderno, sempre a empurrar a vida e
vê-la rolar abaixo, sem a considerar um milagre. Para ela, as coisas acontecem no
embate com o divino, no imenso esforço de fazer um trabalho sempre fadado ao
fracasso, afinal, tal como o mito, empurrar a pedra ou a vida ou qualquer elemento que
o leitor a isso relacione sua interpretação sempre será um trabalho em vão. Onde estaria
o milagre?
Ainda utilizando a linguagem mais próxima do leitor comum, a narradora/autora
afirma: “Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre?”. A
resposta fatalmente corta a chance de se vislumbrar, nisso, algo menos comum e
previsível: “Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo,
capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes”. De modo
enciclopédio, a narradora define o que se passa com ela. É o esvaziamento da esperança
de se ter um milagre, porque em um mundo civilizado e controlado tudo pode ser