Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 841

Desse modo, há um abandono na produção literária da intenção de refletir a
realidade. Como a narradora, o leitor é convocado a refletir acerca de “milagres”, assim
classificados pelo discurso social, que não são reconhecíveis na realidade
contemporânea: “Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me
que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria””. Assim, o
jovem leitor sente-se como parte do próprio
modus operandi
da criação, preenchendo
lacunas, por meio de sua atividade imaginativa, estabelecendo relações entre os
elementos narrados, enfim interagindo de forma criativa com o texto.
A aparente falta de assunto da crônica – “Não, nunca me acontecem milagres” –
resulta deste vazio, espaço em que o sentido se constrói para tentar abarcar o todo
indizível (ROSSONI, 1999, p.89):
O silêncio independe da ação ou da natureza da ação. Ele pré-existe ao
registro de fato. Muda o fato, mudam as palavras, não muda o vazio silente
que as envolvem. Esse espírito se encaixa com propriedade no fazer literário
de Clarice Lispector como também pode ser associado ao que o Zen
Budismo experimenta por “Sunya” (vazio) do qual deriva o termo “sunyata”
que designa vacuidade ou estado de tudo o que é vazio.
O refletir em torno de si mesmo tem na palavra seu próprio mote, no caso, o
termo “milagre”. Rossoni (1999, p.91) escreve que a palavra em Clarice “[...] se
caracteriza como meio para ser negada a si própria – âmbito da não-palavra – por meio
de um jogo que a desqualifica como empreendedora de sensações exteriores para
dinamizar o fomento de estados interiores modalizados pelo inexprimível, pelo inefável,
pelo indizível”. Em outros termos, embora grafadas, as palavras não constituem todo o
universo factual, aquilo que elas não dizem tem intensidade tão relevante quanto aquilo
que expressam imediatamente (ROSSONI, 1999, p.92):
Neste âmbito está-se frente a frente com as lacunas silenciosas e vazias que
dominam e antecedem a formulação primeira da palavra e guardam latente
seu estado de referente, de coisa primeira, originária, que reside no Absoluto
além de poder remeter a um princípio Zen no que diz respeito à
imponderabilidade.
A sugestão vinda por meio da negativa do verbo traduz a busca pelo elemento
que foge ao expressivo, alcançando o aspecto intuitivo, como descreve o autor
(ROSSONI, 1999, p.95):
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