Um traço essencial (constitutivo do enunciado) é o seu direcionamento a alguém, o seu
endereçamento. À diferença das unidades significativas da língua – palavras e orações -,
que são impessoais, de ninguém e a ninguém estão endereçadas, o enunciado tem autor
(e, respectivamente, expressão...) e destinatário. Esse destinatário pode ser um
participante-interlocutor direto do diálogo cotidiano, pode ser uma coletividade
diferenciada de especialistas de algum campo especial da comunicação cultural, pode
ser um público mais ou menos diferenciado, um povo, os contemporâneos (...); ele
também pode ser um outro totalmente indefinido (...) Todas essas modalidades e
concepções do destinatário são determinadas pelo campo da atividade humana e da vida
a que tal enunciado se refere. (2003, p.301)
Em se tratando do livro didático de Língua Portuguesa, a ser destinado aos
alunos das antigas quintas e sextas séries do ensino fundamental, com o intuito de
aprofundar-lhes no conhecimento da língua materna, essas concepções acerca do
destinatário - bem como aquelas concernentes ao objeto de que se apropriam: a
literatura - são construídas a partir dos discursos que permeiam todo o processo de
elaboração dos manuais. Tais discursos pertencem, primordialmente, à esfera
educacional na qual se inserem os livros e são veiculados por meio dos textos
produzidos, sobretudo, pelas instâncias oficiais que ‘ditam’ as normas para o ensino e,
portanto, para a elaboração dos livros didáticos destinados ao espaço escolar.
Ocorre que o destinatário dessas normas (diz-se, no caso deste trabalho, dos
sujeitos responsáveis pela elaboração do manual) “ao perceber e compreender o
significado (lingüístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma
ativa
posição responsiva
: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o,
aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.” (Bakhtin, 2003, p.271). Ou seja, na medida em
que os autores/editores completam e atualizam na sua fala [no manual] os conteúdos
estabelecidos para o ensino, eles podem, recorrendo a determinado
estilo
, contribuir
para a disseminação dos
discursos
oficiais, ao fazê-los circular nas salas de aula, em
todo o ambiente escolar, ou mesmo, além dos muros dessa instituição. Conforme
“realizam (...) a mediação entre o que é estabelecido oficialmente como conteúdo
programático para determinada disciplina, e as atividades a serem realizadas em sala de
aula” (Pietri, 2007, p.34), eles passam de ouvintes a falantes (Bakhtin, 2003) dos
discursos oficiais, respondendo, em diferentes graus, às indicações materializadas nos
documentos e assumindo, perante a eles, a posição de sujeitos ativos responsivos da
qual tratou Bakhtin.