Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 741

A próxima seção analisa a constituição linguística e textual de dois textos de
domínio jornalístico que integram o gênero artigo de opinião.
Análise dos textos
Como já foi mencionado antes, não se buscou estabelecer pontos em comum
ou de contraste entre os dois textos. A opção por chamá-los de texto 1 e texto 2 se deu
meramente pela ordem de publicação dos artigos nos respectivos jornais. As
semelhanças de conteúdo são apenas uma coincidência.
Texto 1: Democracia e pesquisas de opinião
(DENIS LERRER ROSENFIELD) –
O
Estado de S. Paulo
– Segunda-feira, 09 de maio de 2011.
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O jogo político em sociedades democráticas passa pela formação da opinião pública. Ideias,
concepções e valores fazem parte do contexto de lutas públicas, partidárias ou não, em que
diferentes propostas se confrontam. Começam, dessa maneira, a se formar determinados apoios
majoritários ou mesmo consensuais a certas ideias, que passam, então, a ser consideradas "normais"
- precisamente por serem tidas por mais usuais, como se sua frequência fosse indicativa de sua
"normalidade".
Eis por que surgem distintas maneiras de legitimar decisões, recorrendo aos mais diferentes
instrumentos, tendo como objetivo ganhar a adesão dos cidadãos. Decisões que não passem por esse
"ritual" correm o risco de ser ineficazes. Pesquisas de opinião, dos mais distintos tipos, cumprem,
também, essa função.
Observe-se que muitas notícias e manchetes de jornais e revistas estampam que teria havido uma
mudança de comportamento dos brasileiros em relação a determinados hábitos, sem que sejam
expostas as condições mínimas a partir das quais tais pesquisas foram realizadas. Qual foi a margem
de erro dessas pesquisas? Qual o rigor de sua amostragem ou do uso de sistemas de cotas, como
gênero e região do País, e modo de entrevistas? Surge, simplesmente, a notícia como se ela
retratasse a realidade, sem que indagações ou precauções mínimas sejam tomadas.
Há pouco tempo, o Ministério da Saúde divulgou uma pesquisa com 55 mil pessoas, feita por
telefone, sobre os hábitos de brasileiros referentes a fumo, bebidas alcoólicas e obesidade.
Imediatamente foram divulgados os resultados, a partir de certas correlações com pesquisas
anteriores que indicariam aumento ou queda de certos comportamentos. A margem era tão estreita
entre uma e outra que nem se poderia falar de uma mudança de hábito. Qual a sua credibilidade?
Algumas perguntas deveriam impor-se. Qual era a margem de erro dessas pesquisas? Qual a
confiabilidade de uma pesquisa desse tipo, na medida em que não há uma listagem pública de
telefones celulares no País? Quem não tem telefone fixo não poderia, por princípio, ser
entrevistado? Não convém esquecer que o número de celulares no País ultrapassa atualmente o de
convencionais.
Notícias, no entanto, foram apresentadas como se esses comportamentos, já tidos
valorativamente como nocivos, devessem ser ainda mais controlados. Era evidente o propósito de
que tais "pesquisas" servissem de antessala para novas medidas restritivas. Para que elas possam ser
tomadas, porém, torna-se necessária uma preparação preliminar, que seria preenchida precisamente
pela pesquisa de opinião. O objetivo reside no convencimento, e não numa radiografia fiel da
realidade. O mais surpreendente ainda é que outras pesquisas não sejam feitas justamente para
contestar ou ao menos equilibrar, do ponto de vista da formação pública, tal tipo de expediente.
Outro caso bastante em voga, e que se acentuará nos próximos meses, é o da campanha do
desarmamento. As pesquisas aqui em pauta têm igualmente um forte componente retórico, feito
para o convencimento dos cidadãos. Depois do referendo que terminou com a acachapante vitória
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