Zélia Lopes da Silva (Org.)
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trabalhava no lixão, tem outra forma de ver. Quando eu morava em Recife, eu fui num
lixão, porque morava muita gente no lixão, porque eu frequentava a Igreja Batista, e aí fui
fazer um trabalho. Tinha uma senhora que tinha tido neném fazia dois dias. Naquela água,
chovendo, você entrava, a perna dava meia de água, o neném sem roupa “num estrado,
numa cama” de papelão e ela cozinhando a própria placenta dela para comer, porque não
tinha o que comer. Isso aí nunca mais na minha vida eu esqueço. Eu tinha uns dezessete
anos quando eu vi isso. Inclusive essa criança, minha irmã adotou. Cria ela hoje, entendeu?
Porque ela não tinha condições. Na época que eu fiz isso, eu tinha condições. Compramos
um terreno, construímos uma casa de madeira e pusemos ela. Fizemos barracão para
ensinar o pessoal, né? Costurar, cozinhar, bordar, porque tinha muita gente que não tinha
oportunidade. Tinha muita gente no lixão, ai então, inclusive eu falei pro pastor “Nunca
mais eu quero fazer um trabalho desse”. Porque eu nunca tinha visto uma coisa, na minha
vida, daquelas. Uma criança recém-nascida, eu tirei inclusive a camisa e enrolei a criança.
Liguei para minha irmã. Minha irmã veio e levou ela embora porque senão ia morrer. Fazia
dois dias que tinha nascido e não tinha nem o que comer. Isso aí eu nunca vou esquecer,
e nunca mais eu fui no lixão. Eu ia, assim, para tirar o pessoal, entendeu? Graças a Deus,
Deus me deu oportunidade, uma época de eu trabalhar e ganhar bem, de ajudar muitas
pessoas. Aí eu fico comparando, quer dizer, o que eu já fui e hoje o que eu sou. Hoje,
tive muita ajuda de poucas pessoas, mas eu tive. Não cheguei a esse ponto, né? Mas eu
precisei de ajuda, então, que nem você vê muita gente julga o pessoal que trabalha no
lixão, que está ali comendo a própria comida do lixo, o pessoal julga.
Entrevistadores
: Tem preconceito, não?
— M.E.M.S.:
Tem preconceito, discriminação. Que nem você está numa lanchonete, num
restaurante, a pessoa chega todo sujo pedindo um prato de comida, ninguém dá. Mas,
por que não dá? Além de está pedindo, graças a Deus que tá pedindo! Graças a Deus
que está pedindo, porque muita gente não dá oportunidade de emprego para uma pessoa
dessas, nem em casa de família porque não tem estudo e não tem opção de vida. Então,
o que é que procura? Vai sobreviver de quê? Do lixo, da reciclagem, né? E do próprio lixo.
Eu já cheguei ver gente se alimentando do próprio lixo e isso dói, sabe? A gente ver certas
situações.
Entrevistadores
: Essa relação de amizade que vocês têm aqui dentro da Cooperativa,
como é?
— M.E.M.S.:
Em termos de trabalho falta muita coisa, sabe? O pessoal se unir mais. Em
relação à amizade, você tem que escolher a dedo, infelizmente. Mas todo lugar é assim,
né?
Entrevistadores
: É mais uma relação de trabalho, embora algumas pessoas se tornam
amigas?
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