Santareno, por sua vez, expõe em sua peça um quadro bem mais complicado:
nossa razão quer compreender os assassinos, mas eles apenas podem nos argumentar
que são homens que preferem, dentre todas as asceses possíveis, a experiência espiritual
do crime.
Para concluir a enumeração desta polifonia trazida a
O inferno
, observamos que,
segundo Didier Lazard, “os crimes de guerra” estão restritos a uma época de luta
armada, mas os “crimes nazistas” se perpetuam mesmo após o findar da guerra. Em
Bernardo Santareno, esse perpetuar do crime nazista traz agonia, pois não se restringe
ao assassino Orfeu, mas a todo um país a entoar, vinte e dois anos após a morte de
Hitler, as mesmas notas do canto de morte entoado pelo ditador alemão.
Para compreendermos este pensamento, acrescentamos que a ligação entre Orfeu
e Hitler representa não só o assassino vinculado ao nazismo, mas também ao fascismo e
ao salazarismo. Nas rubricas em que Santareno descreve o assassínio de Edward, temos
as seguintes palavras:
O coro nazi está agora no auge. De súbito, Orfeu pega um machado caído junto da
chaminé. Em fúria, levanta-o acima da cabeça. Apaga-se a luz da sala. Através da
janela, vê-se o clarão verde da luz néon dum reclamo exterior que acende e apaga. É
esta luz verde que ilumina Orfeu, quando ele desencadeia uma machadada direta à
cabeça de Edward. Apaga-se o reclamo. Grito da vítima: pavoroso, mortal. Acende-se o
néon verde. (Santareno, s.d., p. 32).
Para matar Edward, Orfeu utiliza um machado. Lembramos, o fáscio, símbolo do
governo de Mussolini, é composto por um molho de varas e uma machadinha.
Santareno insere nesta cena uma luz verde a iluminar Orfeu. O verde era cor
utilizada no estandarte da Legião Portuguesa, organização paramilitar pertencente ao
governo salazarista que divulgava, na terra lusitana, os conceitos nazi-fascistas como
modelos a serem seguidos.
Sendo assim, nesta cena de
O inferno
, a proximidade dos atos assassinos
praticados por Hitler, Mussolini e Salazar é simbolicamente retratada. Desse modo,
mesmo Orfeu não sendo um personagem com posicionamento político definido,
Santareno traz, como autor a também participar da polifonia ideológica do texto criado,
seu posicionamento político contrário ao governante de Portugal.
Por fim, salientamos que Bernardo Santareno não tem como objetivo de sua obra
dar o veredicto aos assassinos, pois não cabe em
O inferno
dar receitas a serem seguidas