se quisesse, podia andar sobre o mar, mas era por demais escandaloso esse comportamento
[...]”(RIBEIRO, 1981, p. 155).
Já no que se refere à utilização da transtextualidade paródica no conto, é fulcral que nos
atentemos a uma cena bastante conhecida do “Novo Testamento” da
Bíblia Sagrada
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: Jesus
ensinando seus primeiros apóstolos a pescarem. Esse conteúdo narrativo pode ser encontrado
em três momentos bíblicos distintos: “Chamamento dos primeiros discípulos” (Mt 4, 18-22),
“Pesca Milagrosa. Simão, Tiago e João seguem a Jesus” (Lc 5, 1-11) e “Apêndice
.
A aparição
à beira do lago” (Jo 21, 1-14). Nessas narrativas sacras, Jesus aponta onde os pescadores
devem lançar suas redes para que obtenham o alimento para a família. Os pobres pescadores
se tornam os primeiros apóstolos de Cristo, que, por sua vez, os convida a pescarem almas
para eles, assim, difundirem a cristandade. No conto de João Ubaldo se desenvolve uma
transcontextualização e uma inversão dos valores das Escrituras Sagradas, afetando
profanamente seu conteúdo. Após ser humanizado por meio de um destronamento
carnavalizante, a personagem Deus dá pistas de onde o narrador deve lançar sua vara de
pesca, para fisgar os peixes maiores com sucesso.
Ora, ora me veja-me. Mas foi o que ele disse e os carrapatinhos,
que já gostam de fazer corrotecorrote com a garganta quando a
gente tira a linha da água, ficaram muitíssimo assanhados.
É mais o seguinte – continuou ele, com a expressão de quem
está um pouco enfadado. – Está vendo aqui? Não tem nada. Está
vendo alguma coisa aqui? Nada! Muito bem, daqui eu vou tirar
uma porção de linhas e jogar no meio dessas azeiteiras. E dito e
feito, mais ligeiro que o trovão, botou os braços para cima e
tome tudo o quanto foi linha saindo pelos dedos dele, parecia
um arco-íris [...] cada um dos anzóis que ele botou foi mordido
por um carrapato e, quando ele puxou, foi aquela carrapatada no
meio da canoa. Eu fiz quá-quá-quá, não está vendo tu que temos
somente carrapatos? (RIBEIRO, 1981, p. 153-154).
Ainda no que concerne às referências bíblicas chamadas alusivamente à baila pelo conto
“O santo que não acreditava em Deus”, é importante que realçar a presença da personagem
Madalena (uma das prostitutas de Adalberta, que Deus conhece na feira de Maragojipe, por
mediação de Quinca das Mulas e os festeiros que o acompanham). É nítida a menção à
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Para esse trabalho, não adotamos o pressuposto da Bíblia como um livro de “revelação”, mas um conjunto de
livros, revisitados freqüentemente pelos artistas, mais especificamente pelos literatos (o que atesta sua
potencialidade Clássica).