agredir fisicamente Deus, que nesse momento, estapeia o pescador com bastante intensidade,
persuadindo-o efetivamente sobre sua identidade. Deus esclarece que o motivo de sua descida
é a procura por um novo santo: um tal de Quinca das Mulas. O pescador encarrega-se de levar
Deus até a cidade; juntos encontram Quinca e festejam com a cafetina Adalberta e suas
trabalhadoras. É nesse frenesi que Deus revela sua identidade sagrada para Quinca, que de
imediato, desacredita e nega convictamente tornar-se santo, revelando sua posição atéia. Deus
espanca o mesmo. Não vendo uma solução possível, acaba por desistir de tornar das Mulas
um santo, retornando angustiado aos céus.
Ao iniciarmos a leitura desse conto, a impressão mais latente que temos é de que
estamos ouvindo um “relato”, uma típica “história de pescador”, e assim o é; a ordenação
simples dos fatos compõe o enredo de forma linear, assemelhando-se intimamente às
narrativas de tradição oral, tão conhecidas e disseminadas pelo universo rural de que parece
ser a matriz do solo itaparicano arranjado e enquadrado pela diegése. É essa estruturação que
marca também a composição de
Grande sertão: veredas
(2006), de Guimarães Rosa. É o
próprio Riobaldo quem rememora seus feitos e os narra para um interlocutor que nunca se
pronuncia, a quem Tatarana ou Urutu-Branco chama de “Senhor” ou “Moço”. No conto,
podemos observar a existência esporádica também de uma personagem anônima, a quem o
narrador-pescador reporta seu relato, como no momento em que essa personagem questiona o
narrador, “Mas o que aconteceu?” (RIBEIRO, 1981, p. 154), ou no instante em que o narrador
lhe evoca, “Para que eu disse isto,
amigo
, porque me saiu um mero, que não tinha mais
medida [...]” (RIBEIRO, 1981, p. 154). A focalização central do narrador autodiegético já nos
antecipa um tom memorialístico e expositivo, que é intensificado com o decorrer da fábula.
Outra forma de co-presença intertextual alusiva com a produção de vertente regionalista
se estabelece no conto com a composição e caracterização da personagem que Deus
ambiciona transformar em santo: Quinca das Mulas. Seu primeiro nome já constitui de
maneira implícita e alusiva uma relação com a personagem principal da novela
A morte e a
morte de Quincas Berro Dágua
(1991), de Jorge Amado. Berro Dágua é um velho
debochado, jogador e “Rei dos vagabundos da Bahia”. É o ex-Joaquim Soares da Cunha, que
sepultou sua pacatez para tornar-se o maior bêbado de sua cidade, presença-mor da vadiagem,
conhecido como o “filósofo esfarrapado da rampa do Mercado” (AMADO, 1991, p. 46). Sua
convicção em manter posições destoantes ao cargo público que detinha o afasta de sua
família.