E é verdade… é sim sinhô… quem me contou foi um pescador
Livro de histórias
(1981) reúne e corporifica, concomitantemente, aspectos de dois
momentos do regionalismo brasileiro
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. Um se relaciona com os romances sociais das décadas
de 30 e 40 (Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Raquel de Queiroz e Jorge Amado),
quando as narrativas se identificaram às questões nordestinas do período; o outro se aproxima
de um regionalismo de estruturação formal mais mitológica, em que se interpenetram
assiduamente reminiscências arcaicas das narrativas orais, com um trabalho pautado na
renovação e na reelaboração do arcabouço lingüístico (João Guimarães Rosa e Ariano
Suassuna).
O conjunto de contos que compõe a obra em questão descortina e nos coloca em contato
com as diferentes faces da cultura do homem sertanejo, mais especificamente o itaparicano:
sua linguagem, suas normas de conduta social, sua compreensão sobre o ódio, o amor e a
amizade, sua visão do trabalho, do sexo e da natureza, da sua formação não-escolar (que não
dispensa uma educação religiosa), de seus costumes arraigados em velhas tradições, de seu
cultivo a valores que hoje nos parecem perdidos, de seu pensar sobre Deus, o Diabo, sobre o
sentido da existência e da morte.
No caso específico do conto “O santo que não acreditava em Deus”, podemos
considerar que o mesmo narra, com um aflorado humor, a procura da personagem Deus por
Quinca das Mulas pelo sertão baiano (de Itaparica até Maragojipe). Para sermos mais
precisos, a fábula dessa narrativa se constitui da seguinte maneira: um pescador reflete sobre
várias espécies de peixes que poderiam ser encontrados no mundo e assume não ser um bom
pescador. Ele atenta para o desgosto em fisgar carrapatos
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, que nesse dia teimam em persegui-
lo. Uma figura surge subitamente, lhe dá dicas sobre pescaria, revela-se Deus e demonstra
como ele deveria pescar, quais estratégias poderiam ser utilizadas e até mesmo em que local o
anzol teria de ser lançado.
Em conformidade com o resultado do pescador, a personagem mítico-religiosa captura
apenas carrapatos também. O pescador ridiculariza seu feito, no que lhe acaba por resultar
numa coça de mero
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. Deus pergunta sobre uma feira em Maragojipe. Irritado, o pescador tenta
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Segundo Walnice Nogueira Galvão (2000), o regionalismo brasileiro é um período do Modernismo marcado
pela preocupação dos escritores em representar artisticamente os interiores do país, pondo em cena personagens
plebéias e "típicas", a exemplo dos homens pobres rurais. Consideram importante a função da literatura como
documento, a ponto de reproduzirem a linguagem característica daquelas paragens.
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Como o nome indica e a narrativa reitera, o carrapato é um peixe pequeno e astuto.
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Ao contrário do carrapato, no conto, o mero é apresentado como espécie de grande porte.