Uma das utopias modernas foi exatamente a de acreditar numa certeza, numa
segurança, numa ordem bem definida para os acontecimentos e, de certa forma, numa
fixação de identidade. O mundo perfeito seria um mundo que permanece sempre
idêntico, fixo, sem modificações (BAUMAN, 1998). Por isso, a modernidade teve a
ânsia de criar sólidos
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perfeitos, inalteráveis, impossíveis de serem destruídos. A
instituição familiar, como nos é apresentada em “Anos Incríveis”, parece ser um destes
sólidos modernos, um destes utópicos sólidos.
Valenzi (2003) nos mostra como o seriado “Anos Incríveis” retrata uma família
que pretende ser unida e coerente, além de demonstrar, pelas análises sobre os
enunciados formulados acerca da representação da família, que as identidades dos
membros que a compõem estão fragmentadas, não fixadas.
Falamos em “crise de identidade” como conseqüência de um processo amplo de
mudanças, que tem fragmentado o indivíduo moderno - até então era visto como um
sujeito unificado, com uma identidade bem definida e localizada no mundo social -
“fazendo surgir novas identidades” (HALL, 2004, p. 7).
As “novas identidades” e os diversos arranjos familiares
E o que dizer das famílias “não típicas”? Daquelas com uma formação diferente
da apresentada até agora sob a ótica estadunidense de “Anos Incríveis”?
É perceptível a fragilidade dos laços entre os indivíduos, a transitoriedade das
posições identitárias e as mudanças intensas que estão ocorrendo nas instituições sociais,
incluindo a família. Como pensar a estrutura familiar, as posições do que é ser pai, do
que é ser mãe, do que é ser filho e filha, neste cenário de profundas modificações? E
quanto àquelas famílias que têm dois pais ou duas mães (relacionamentos
homossexuais)? E aquelas - cada vez mais freqüentes - em que a mãe
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(ou pai) sozinha
(o) se posiciona como figura de autoridade, sustento financeiro, ao mesmo tempo em
que acalenta e cuida das atividades domésticas? E quanto aos tantos outros arranjos
familiares?
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Metáfora criada pelo sociólogo Zygmunt Bauman. Para ele, a palavra que melhor oferece a metáfora
para a nossa atual fase moderna é “fluidez”. Pois, ao contrário dos sólidos, os fluidos têm mobilidade,
leveza, inconsistência.
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Cada vez mais, as mulheres se encontram no papel de provedoras. É o que mostram as estatísticas
(Garcia e Oliveira, 1994; Rubalcava, 1996
apud
Godani, 2002). Ou seja, as mulheres enfrentam a dupla
jornada de “cuidar” e “prover” as suas famílias.