Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 58

todas as necessidades materiais, exatamente como nos apresenta o seriado americano.
Este comportamento "de renúncia" por parte da mulher, por parte da personagem
Norma, é apresentado quase como um dever de "servir ao marido e aos filhos".
Percebemos que tanto nos Estados Unidos como no Brasil de meados do século XX,
apresentado por esta mesma autora, há uma sociedade que se torna cada vez mais
urbana e com muitas mudanças. Dessa forma, é possível identificar as alterações no
papel e nas atividades femininas, que antes não estavam diretamente sob o seu domínio:
Tenho que me desdobrar”
, fala Norma. Passa-se a exigir da mulher diversas
habilidades, que até então eram desnecessárias. Ela precisa ser capaz de aprender a
administrar salários, fazer contas... Esperam-se competências que melhor promovam a
educação dos filhos e até a vida doméstica, a mulher seria, nessa perspectiva, um
suporte para o sucesso familiar.
Voltando ao diálogo, fica evidente que Norma vê-se numa “saia justa” ao ser
perguntada sobre sua realização como dona de casa:
“Acho que nunca pensei sobre
isso”
. Porém, ao mesmo tempo, assistindo à série, uma sensação de satisfação é
transmitida, sensação de certa realização pessoal de Norma. Ela estava num
determinado lugar, vivendo a partir de uma história e cultura específicas. Ela estava
lutando, amando, trabalhando, cuidando... Estava envolvida na construção daquela
família, na construção de significados que permitiram dizer – ou ao menos tentar dizer –
o que era uma família, qual era o seu papel como membro dessa família... Para ela
parecia – ou pelo menos foi o que a série transmitiu maravilhosamente bem – que
aquela estrutura familiar era o que havia de mais valioso em sua vida, e, de certa forma,
ela sabia sobre seu papel importantíssimo como suporte para tal estrutura. Era como se
aquilo fosse “o certo”, o que tinha que ser feito naquela época:
“Quando meus pais se
casaram (...) as pessoas sabiam que se dessem duro e fizessem tudo certo, uma espécie
de paraíso em família os aguardava”
(Kevin, narrador - 4º episódio).
Essa sensação de segurança e recompensa transmitida pela fala de Kevin é
própria da Modernidade, em que o Homem civilizado (entenda-se homem moderno)
pensa que se fizer “tudo certo” - no caso de Norma o “tudo certo” seria a dedicação
exclusiva ao marido e aos filhos – teria recompensas, como uma segurança, a certeza de
seu lugar no mundo, a sensação de um “dever cumprido”. É como uma relação de causa
e efeito: se eu fizer isso, aquilo certamente acontecerá.
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