pesquisa procura aproximar questões filosóficas e literárias, ou seja, busca revelar o
quanto essas áreas são próximas e, por conseguinte, abarcam universos comuns.
Se Dostoiévski é considerado geralmente como romancista-filósofo por excelência,
Memórias do subsolo
é o escrito em que isto se manifesta de modo particularmente
intenso. Toda a dramaticidade e força emocional do texto, toda a introspecção
verrumante de seu personagem, estão intimamente ligados à concepção central, como
poucas vezes aconteceu em toda a literatura (SCHNAIDERMAN, 2003, p.7).
Este anti-herói muito bem inventado pelo nosso autor coloca e discute questões,
interpelando e dialogando sobre aquelas
que refletem uma alma não exatamente
atormentada, mas uma alma (uma consciência) que, embora pareça indiferente, traz à
tona as experiências mais instigantes. Tal personagem busca em si o mais inumano
possível para talvez revelar aquilo que há de mais humano no homem, sua baixeza, sua
vileza, sua torpeza e principalmente a consciência da sua própria condição. Essa
consciência aparece no texto em várias ocasiões, no entanto, o fato de o anti-herói ter
consciência não torna sua vida leve, pelo contrário. “Quanto mais consciência eu tinha
do bem e de tudo o que é belo e sublime, tanto mais me afundava em meu lodo, e tanto
mais capaz me tornava de imergir nele por completo” (DOSTOIÉVSKI, 2003, p19).
Embora a consciência, essa voz que não se cala, seja um tormento, um martelo
sempre a bater em sua alma, segundo o narrador desta memória, ainda assim é preferível
tê-la. Mesmo com toda angústia que causa, ainda assim o homem não a recusará.
A autoconsciência e a liberdade da personagem são traçadas de tal forma que
revelam o quanto este autor quis fugir de padrões estéticos composicionais fechados,
pois o homem, que é apresentado pelo autor, não se encerra em limites, ou seja, é
possível ter uma interpretação acerca do que é humano
.
Em seus textos há certo
desconforto, ou seja, sua leitura causa uma inquietação no leitor, pois o desenrolar da
trama e as próprias personagens carregam em si uma força, e porque não dizer uma
docilidade ou até mesmo tragicidade perturbadora, uma vez que o leitor não está
preparado nem pronto para atitudes que escapam, e fogem ao comum.
A fim de revelar o quanto a personagem possui consciência e quanto o homem é
livre, Dostoiévski inventa uma personagem, ou melhor, narra a autoconsciência de um
homem extremamente crítico, esse é o caso do anti-herói de
Memórias do subsolo
e de
outros escritos. Além, é claro, de possuir uma forma estética singular que revela essas
mesmas questões humanas.