houvera um escudeiro, vagamente oriundo de Dijon, que não mudava de colarinho e
surrupiava os charutos.”
Ele retoma, nesse terceiro parágrafo, o que anunciou no primeiro parágrafo o óbvio
que o jornal produz: a crônica, o anúncio, juízos ligeiros, improvisações, legado de
jornalistas sem formação e informação, o que quer dizer, sem ética e sem conhecimento:
uma massa espumante de juízos ligeiros, improvisados na véspera, à meia-noite, entre o
silvar do gás e o fervilhar das chalaças, por excelentes rapazes que rompem pela
redacção, agarram uma tira de papel, e, sem tirar mesmo o chapéu, decidem com dois
rabiscos da pena sobre todas as coisas da Terra e do Céu (QUEIROZ, s/d).
Fradique não diz que excelentes rapazes entram pela redação e pegam uma tira de
papel, ao contrário, os rapazes rompem a redação e agarram, ou seja, correm, sem tirar o
chapéu, pegam o papel de qualquer jeito e, com dois rabiscos, sem pensar, sem refletir,
sem perder tempo, decidem sobre fatos, pessoas, acontecimentos importantes como uma
revolução do Estado, a solidez de um banco, tragédias etc. e, ironicamente, decidem
também as coisas do Céu.
Mecânica e afoitamente, essas atitudes fazem parte da rotina do jornal, que, ainda
hoje, tem como lema que o passado não é notícia, deixou de ser novidade, não tem mais
interesse e, o que não interessa, não vende. Além disso, é preciso preencher espaço, fechar
a redação para que o jornal seja entregue pela manhã aos seus interessados leitores.
Nesse sentido, a Revista Imprensa, de setembro de 1988, publicou uma reportagem
com o título Toques de Midas, tornando conhecidos sete rapazes, todos eles menores e
ocupando o cargo de contínuo do jornal paulista Notícias Populares. Eles que decidiam a
melhor opção para a manchete da capa. Esses “consultores de manchetes” sabiam o valor
de um título genial, transformando o comum em espetacular, atraindo a curiosidade do
leitor, a ponto dele comprar o jornal. Eles não participavam do processo, mas decidiam e
criavam títulos “originais”, de acordo com o gosto de quem lia e o humor juvenil dos
“descendentes de Midas”. Estes até parecem os rapazes que Fradique cita nesta carta que
com rabiscos, determinam, opinam e selecionam tudo. O critério adotado é em função
do espaço e do tempo e não da importância, do conteúdo do texto, do fato.
Através da ironia, Fradique tece sua carta com determinados verbos
semanticamente depreciativos e com determinados sintagmas judicativos, (rompem,
agarram) que conduzem o leitor a ver o outro lado, o avesso da imprensa. Suscita
suspeita, descrédito, e cautela com a notícia que se lê. Isso mostra a falta de pesquisa, de
credibilidade, de investigação, de comprovação, de documentação, por parte da imprensa.