revitalizadas; é a reconstrução do passado compartilhado e o reconhecimento por parte
do leitor-consumidor da estabilização dos sentidos do enunciado/imagem maçã que
permite percorrer os percursos escritos na narrativa do Velho Testamento e de outras
tantas que contribuíram para reafirmar, na atualidade, as mesmas verdades que há muito
forjam a identidade da mulher-Eva. Em outros termos, a partir da tematização da maçã
na estruturação das materialidades, constitui-se um movimento discursivo que situa a
formulação nova, atual perante uma anterioridade restabelecida de imediato. Repetem-
se, numa nova discursividade, discursos verdadeiros que apontam para uma posição
sujeito na qual a mulher é identificada, como já havia assinalado Foucault (1979), com
o seu sexo, esse que é tentador e perigoso, força do mal (Perrot 2007), desde tempos
quase imemoriais.
Se, na PP1, as verdades ali exaltadas identificam a amante tentadora e pecadora,
na PP2, ao contrário, as verdades identificam a mãe casta e piedosa, espelhada na
imagem ícone da
Pietá
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, aquela imortalizada na clássica escultura de Michelângelo e
sedimentada no imaginário social como emblema do amor materno. A Virgem e Santa
Maria, segundo a tradição religiosa, sobretudo a católica, foi a mulher que redimiu a
humanidade dos pecados de Eva. Esse deslocamento coloca luz em trajetos de sentidos
igualmente atravessados por verdades produtoras de saberes de ordem mítica, religiosa,
cultural, por meio dos quais o estatuto de ser mulher, agora, implica “essencialmente”
ser mãe.
Ao invocar a memória da santa, particularmente a partir do ato materno de
acolher o filho no colo, acionam-se relações e sucessões de discursos antecedentes que
fizeram da maternidade o “grande caso das mulheres”, como explica Perrot (2007,
p.68). Mais do que isso, a maternidade foi transformada em uma função aureolada de
amor, “o amor a mais”, o amor dado a conhecer pela devoção e total abnegação da
redentora. Amor, portanto, impregnado do sagrado e do divino, que aponta para um
corpo dessexualizado, já que no efeito de memória identifica-se aquela que concebeu
excluindo o sexo. Aponta, igualmente, para um corpo naturalmente constituído para
gerar filhos. Vista desse modo, ou seja, como algo saturado de pureza e intrínseco à
essência feminina, a maternidade se inscreve na história da mulher como um dispositivo
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Retomando e recriando o momento de sofrimento da Nossa Senhora, particularmente o momento em
que ela contempla o filho morto colocado no seu colo, Michelângelo esculpiu, em 1499, uma das obras
mais famosas de todos os tempos, a
Pietá
(Piedade), em exposição na Basílica de São Pedro, no Vaticano.