dentre muitos outros, propiciaram a valorização e o controle da vida. A noção de
maternidade ou do ideal de maternidade nos moldes que conhecemos hoje surgiu nesse
contexto com o objetivo primeiro de manter as crianças vivas.
Longe de ser uma estratégia de cunho emocional, sentimental, focada na relação
entre mãe e filho, a instauração do biopoder ocorreu porque, com o surgimento da
sociedade burguesa em meio a uma desordem social, surgiu igualmente a necessidade
de se cuidar da população para que houvesse mão de obra e sempre mais riquezas;
preservar a vida e educar as crianças passaram a ser prioridade para a consolidação da
nossa sociedade capitalista. Isso significa que, ao lado da preocupação com a economia
ou com a ideologia, havia uma preocupação premente com o corpo físico que precisava
garantir o bom andamento do corpo social. Daí as orientações em massa que surgiram
com o intuito de fazer com que as pessoas atentassem para “a higiene [...], a arte da
longevidade, os métodos para ter filhos de boa saúde e para mantê-los em vida durante o
maior tempo possível” (Foucault 1988, p.137).
As mulheres assumiram, assim, especial relevância e certo poder no âmbito
familiar, porque a elas cabia o dever de fazer funcionar aquele mecanismo. Ou seja, na
encruzilhada da saúde e da moral, da educação e do adestramento, do corpo e da alma,
as esposas-mães tornaram-se alvo e instrumento de poder. Era necessário atingi-las,
pois, através delas, as normas políticas, constituídas pelos discursos médico e religioso,
conseguiam se infiltrar nos lares que passaram a se higienizar e a se disciplinarizar, e
uma melhor ordem social, moral e religiosa estava, então, assegurada. Uma das
orientações basilares, por exemplo, era com relação à contracepção, ou seja, havia uma
maior preocupação com a sobrevivência do que com a geração. A contracepção era
necessária “não para que as crianças não nascessem, mas para que as crianças pudessem
viver, uma vez nascidas” (Foucault 1979, p.275). Desmistificada a incompatibilidade
entre a relação sexual e o aleitamento, as mães eram igualmente orientadas a ficarem
com seus filhos e a amamentá-los. Novas regras, portanto, foram codificadas na relação
entre mãe e filho, o que impôs de imediato novos saberes, novas definições, novas
verdades e, consequentemente, novas práticas coercitivas sobre o papel social da
mulher: elas, mais do que nunca, deveriam reinar nos limites do lar para garantir a vida
das crianças.