Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 109

Articulando a verdade ao acontecimento, quando se propõe fazer uma “pequena
história da verdade em geral”, em seu curso sobre
O poder psiquiátrico
(2006),
Foucault aponta a diferença entre uma verdade-demonstração, valorizada pela
tradicional perspectiva filosófico-científica, e uma verdade-acontecimento.
Com relação à verdade-demonstração, ele assevera que ela corresponde a um
saber que pressupõe a existência da verdade em toda parte, em todo lugar e em todo
tempo, inalterável sob quaisquer contingências. Alcançá-la ou mesmo situá-la depende
dos conhecimentos do sujeito diante de tal verdade que está sempre lá, pronta para ser
mostrada, pois “não há buraco negro na verdade”, o que significa que “nunca há nada
que seja suficientemente tênue, fútil, passageiro ou ocasional para não concernir à
questão da verdade, nada suficientemente distante, mas nada tampouco suficientemente
próximo para que não se possa lhe fazer a pergunta: o que é você em verdade?”
(Foucault 2006, p.302).
Aquela que justamente não está em toda parte e em todo tempo aguardando a
iniciativa de um sujeito apto a espreitá-la, seria a verdade vista como irrupção de uma
singularidade histórica:
[...] seria o posicionamento de uma verdade dispersa, descontínua,
interrompida, que só falaria ou que só se produziria de tempo em
tempo, onde bem entender, em certos lugares [...] uma verdade que
não nos espera, porque é uma verdade que tem seus instantes
favoráveis, seus lugares propícios, seus agentes e seus portadores. É
uma verdade que tem sua Geografia [...] verdade que também tem seu
calendário ou, pelo menos, sua cronologia própria. (Foucault 2006,
p.303)
Geografia e calendário, na medida em que é enunciada em espaço e tempo
específicos, pois aquilo que é tomado como verdadeiro não é válido em qualquer lugar
ou em qualquer momento. Emerge em certo contexto sócio-histórico, em um momento
propício, um
kairós
, ou seja, na ocasião, oportunidade e tempo que possibilitam sua
aparição. Essa verdade possui seus mensageiros privilegiados e seus opostos: aqueles
possuem os segredos dos lugares e dos tempos e, porque foram submetidos às provas de
qualificação, estão autorizados a “pronunciarem as palavras requeridas ou consumarem
os gestos rituais”; estes são os sujeitos sobre os quais a verdade pode se abater: “os
profetas, os adivinhos, os inocentes, os cegos, os loucos, os sábios etc.” Trata-se da
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