as palavras como personagens e seres vivos de seu último livro,
Ouvrez,
cujo prefácio
vale ser examinado tendo como horizonte as análises de seu primeiro livro,
Tropismes
:
Palavras, seres vivos perfeitamente autônomos, são os protagonistas de cada um destes
dramas.
Logo que aparecem as palavras de fora, uma divisória é içada. Apenas as palavras
capazes de receber os visitantes convenientemente ficam deste lado. Todas as outras
desaparecem e são, para maior segurança, fechadas atrás da divisória.
Mas a divisória é transparente e os excluídos observam através dela.
Às vezes, o que eles veem lhes dá vontade de intervir, eles não se seguram mais, eles
gritam... Abram.
17
As palavras são “seres vivos”, isto é, são dotados de uma força imanente que os
leva a irromper, a rebentar a “divisória transparente” que separa eixo paradigmático de
eixo sintagmático.
O que é excluído no eixo sintagmático são as imagens expressas por outras
palavras no eixo paradigmático, e são essas que gritam “
ouvrez
”, para que a sensação
seja expressa no tumulto que evoca seu sentido
18
no eixo paradigmático.
Para Nathalie Sarraute, matéria romanesca e forma literária são correlativas.
Procurar alcançar os movimentos tropísticos na sua escrita supõe a produção de uma
forma literária única, que não repete modelos já existentes na história da literatura.
A forma literária, para Nathalie Sarraute, se traduz pelo desmantelamento das
categorias narrativas, como a intriga, o personagem e o narrador, pois elas remetem à
descontinuidade existente na oposição entre real e ficção. Os tropismos e a forma
literária se inscrevem na continuidade da experiência perceptiva do autor e do leitor
numa relação de reciprocidade estabelecida pela escrita.
17
Tradução nossa.
18
“(...) e enfim, existe um poder das palavras, porque trabalhando umas contra as outras, elas
estão ligadas à distância pelo pensamento como as marés estão ligadas à Lua, e no tumulto que evoca seu
sentido muito mais imperiosamente que se cada uma delas trouxesse somente uma significação langorosa
da qual ela seria o índice indiferente e predestinado. A linguagem diz definitivamente quando ela
renuncia a dizer a coisa mesma” (Merleau-Ponty 1960, p.55).