Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 683

Habitados por raciocínios que desvirtuam a verdadeira paixão sentida pelos
homens revoltados, esses seres cometeram os hediondos “crimes de lógica”. Hitler
desvirtuou o discurso de Nietzsche para se autoproclamar o homem superior que
extermina os inferiores. Orfeu, por sua vez, ao se apropriar do discurso alheio, tornou
Sade, Dostoiévski e Nietzsche deuses glorificados por um sangrento poema de crimes
que mostram a extrema violência desumana.
Devemos salientar que as palavras do “homem revoltado” Ivan trouxeram, não
somente o “crime de lógica” cometido por Orfeu, mas também, segundo o próprio
Sartre, o ponto de partida para a concepção do ser humano, pensada pelos
existencialistas.
Segundo Sartre, Ivan proclamou a possibilidade da não existência divina e trouxe
ao homem a permissão de se libertar de um “determinismo” católico. Ou seja, para o
filósofo francês, sem o medo da eternidade do castigo ou da graça, o ser agiria segundo
suas próprias escolhas.
Temos aqui um terceiro ponto de vista que explica o assassino: o ser não possui
uma essência determinada – seja pela Natureza, seja pelo catolicismo – ele existe e
escolhe qual essência terá.
Esclarece Sartre que se o homem vive em um tempo de guerra, ele, e não somente
Hitler, é o responsável por esse tempo. Se o assassino teve uma infância de privações
e/ou habitou em um ambiente degradado, estes são fatores importantes somente porque
ele se tornou um criminoso; se nos omitimos perante a criminalidade e esta, cada vez
mais se expande, somos os responsáveis pelo peso do mundo e temos que suportá-lo.
Esse ser que escolhe sua essência é revelado pelo escritor Genet em sua obra
Diário de um ladrão
. Nesta, Genet fala de sua orfandade e da vida miserável que teve,
mas atribui à sua escolha o ser abjeto que se tornou.
Orfeu cita Genet e Sartre para revelar ao tribunal a essência que escolheu ter: ser
um homem que conscientemente comete crimes de natureza sexual e hedionda.
À tentativa de compreender os assassinos, Santareno soma ainda aos intertextos
trazidos a
O inferno
as palavras de Rimbaud, Cocteau e Breton.
Rimbaud, na
Carta do vidente
, observa que o poeta deve cultivar racionalmente o
desregramento dos sentidos para chegar ao desconhecido que habita a vida humana.
Cocteau e Breton, anos depois, levam ao surrealismo esse ensinamento de Rimbaud e
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