Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 678

“indivíduos bem constituídos” (Sade, 2003, p. 168). Desse modo, segundo o libelo, as
leis sociais aconselham o assassinato quando observam que “a espécie humana deve ser
depurada do berço; só assim ireis prevenir e suprimir de seu seio tudo aquilo que jamais
seria útil à sociedade” (Sade, 2003, p. 168).
Como uma réplica ao discurso de Sade, Orfeu declara na peça
O inferno
que os
assassinatos que comete são uma tentativa de depurar a raça humana:
(Com náusea
) E o que é que nós matamos? Quem?! Três ratos de esgoto, feios, inúteis,
miseráveis: Aquele pobre Edward, um baratíssimo homossexual, cuspido centímetro a
centímetro, desde a cabeça aos pés! A Ann Gilbert, essa fedorenta judiazinha, herdeira
da semente podre duma raça suja! O John Huston, esfomeado e farroupilha, um negro
pequeno mas já hediondo, filho e neto de negros ainda mais repugnantes!... São estas as
nossas ... Vítimas! O mundo perdeu alguma coisa com a morte destas três criaturas
abjetas? Pelo contrário, Eurídice: Ficou mais limpo, mais forte, mais puro! (...)
(Santareno, s.d., p. 67)
Camus, na obra
O homem revoltado
, criou um ensaio no qual aproximou o
“blanquismo moral” (Camus, 2005, p. 59) de Sade à depuração da espécie humana
pregada por Hitler.
Santareno leu este ensaio (tanto que os jurados de
O inferno
citam várias frases
deste texto camusiano) e trouxe a sua obra dramática um assassino que une o
pensamento de Sade ao de Hitler. Podemos perceber esta união quando Orfeu
acrescenta aos discursos objetificados, discursos bivocais e realiza, de forma
estilizadora, uma apologia a não punição dos que matam pela pureza da raça.
Chegamos assim à primeira conclusão deste artigo: ao invés de mostrar ao mundo
sua face cruel e indigna, Orfeu prefere falsear o frio extermínio que realiza citando, de
forma deturpada ou não, palavras de autores conhecidos.
Sendo assim, tal qual Hitler lhe ensinou, o dialogismo de Orfeu é um mosaico
construído por frases e pensamentos de outrem. Mosaico que tem como objetivo pregar
uma só ideologia: a daquele que reproduz os discursos alheios conforme a intenção que
lhes quer imprimir.
Polifonia em O inferno.
Para lá dos problemas da responsabilidade e da sanção jurídico social, quaisquer que
sejam os crimes e o horror que provoquem à sua volta, o criminoso é um ser humano
que devemos compreender. Por isso, meus senhores, ouso pedir-lhes o esforço de vossa
compreensão. (...) (Santareno, s.d., p. 210)
1...,668,669,670,671,672,673,674,675,676,677 679,680,681,682,683,684,685,686,687,688,...1290
Powered by FlippingBook