Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 674

indivíduos tão cruéis, trazem à memória pensamentos de Shakespeare, Lermontov,
Camus e Capote.
Nesse sentido, refletir sobre o que é permitido, no tempo de Santareno, seria não
só observar como os irmãos Ivan e Smierdiákov podem ter entendimentos diversos
sobre o mesmo fato, serem Deuses e assassinarem o próprio pai; mas também indagar
de que maneira certos homens podem cantar e escutar vozes que ecoam há tempos e
entendê-las, polifonicamente, como hinos a propagarem valores diversos.
O presente texto pretende revelar o grande coro de vozes e consciências que
ecoa no julgamento criado por Bernardo Santareno – vozes de Orfeu, de Eurídice, dos
que os julgam, dos que assistem a esse julgamento e dos que são nele citados – e
compreender como os pseudo “Adões míticos” trazidos a
O inferno
discutem a
existência de assassinos tão cruéis quanto o casal de “amantes diabólicos”.
Discursos objetificados e discursos bivocais em O inferno
“Copiei-os aqui e além, duns livros que leio de vez em quando. Creio que nunca
me esqueci de escrever por baixo o nome do autor [...] ” (Santareno, s.d., p.185). A frase
anterior traz à peça teatral
O inferno
um dos graus de maior concretude do discurso
objetificado: a citação nítida das palavras de outrem por um indivíduo.
No caderno de Orfeu, encontramos citações de frases dos seguintes livros e
autores:
Os frutos da terra
(1897) de André Gide,
Carta do vidente
(1871) de Arthur
Rimbaud,
Le coq et l´arlequin
(1918) de Jean Cocteau,
Hitler m’a dit
(1939) de
Hermann Rauschning,
O ser e o nada
(1943) de Jean-Paul Sartre,
O julgamento de
Nuremberga
(1947) de Didier Lazard,
O diário de um ladrão
(1949) de Jean Genet,
O
homem revoltado
(1951) de Albert Camus,
Bruscamente no verão passado
(1958) de
Tennessee Williams,
Ezra Pound
(1960) de G. S. Fraser e
O interrogatório
(1964) de
Peter Weiss.
Na charneca em que enterra suas vítimas, Orfeu declama ainda,
ipsis litteris
,
frases da Lâmina Petelia (séc. III – IV a.C.), de
A filosofia na alcova
(1795) e
Cento e
vinte dias de Sodoma
(1782) ambos do Marquês de Sade,
Os irmãos Karamazovi
(1879)
de Dostoievski,
Assim falou Zaratustra
(1883-1885) e
Vontade de potência
de
Nietzsche.
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