Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1188

Neste artigo, temos como objeto de estudo um fragmento do romance
O primo
Basílio
, de Eça de Queirós, e duas cenas análogas adaptadas para o cinema por Euclydes
Marinho. Faremos uma análise semiótica dos níveis discursivo e narrativo do texto do
romance e das cenas do filme. Levantaremos alguns aspectos discursivos e narrativos do
fragmento escolhido para estimular nos leitores o /querer-aprender/, em primeira
instância. Estes, quando persuadidos da necessidade (dever-ser)
de buscar uma
competência (/querer-dever-poder-saber-fazer/) para melhor compreensão desta e de
outras obras, far-nos-ão convictos de que, pelo fazer interpretativo por eles assumido,
nossa factitividade (Fazer-fazer), cunhada inicialmente na sedução, /Fazer/querer-fazer/,
teve êxito.
Apresentamos abaixo o fragmento do romance em que se fundamenta a análise,
para que o leitor possa acompanhá-la. (
QUEIRÓS, 1996):
Sequência 1 – capítulo III
Havia doze dias que Jorge tinha partido e, apesar do calor e da poeira, Luísa
vestia-se para ir à casa de Leopoldina. Se Jorge soubesse, não havia de gostar, não! Mas
estava tão farta de estar só! Aborrecia-se tanto! De manhã, ainda tinha os arranjos, a
costura, a
toilette
, algum romance... Mas de tarde!
À hora em que Jorge costumava votar o Ministério, a solidão parecia alargar-
se em torno dela. Fazia-lhe tanta falta o seu toque de campainha, os seus passos no
corredor!...
Ao crepúsculo, ao ver cair o dia, entristecia-se sem razão, caía numa vaga
sentimentalidade: sentava-se ao piano, e os fados tristes, as cavatinas apaixonadas
gemiam instintivamente no teclado, sob os seus dedos preguiçosos, no movimento
abandonado dos seus braços moles. O que pensava em tolices então! E, à noite, só, na
larga cama francesa, sem poder dormir, com o calor, vinham-lhe de repente terrores,
palpites de viuvez.
Não estava acostumada, não podia estar só. Até se lembrara de chamar a tia
Patrocínio, uma velha parenta pobre que vivia em Belém: ao menos era alguém; mas
receou aborrecer-se ao pé da sua longa figura de viúva taciturna, sempre a fazer meia,
com enormes óculos de tartaruga sobre o nariz de águia.
Naquela manhã pensara em Leopoldina, toda contente de ir tagarelar, rir,
segredar, passar as horas do calor. Penteava-se em colete e saia branca: a camisinha
decotada descobria os ombros alvos duma redondeza macia, o colo branco e tenro,
azulado de veiazinhas finas; e os seus braços redondinhos, um pouco vermelhos no
cotovelo, descobriam por baixo, quando se erguiam prendendo as tranças, fiozinhos
louros, frisando e fazendo ninho.
A sua pele conservava ainda o rosado úmido da água fria; havia no quarto um
cheiro agudo de vinagre de
toilette;
os transparentes de linho branco descidos davam
uma luz baça, com tons de leite.
Ah! Positivamente devia escrever a Jorge, que voltasse depressa! Que o que
tinha graça era ir surpreendê-lo a Évora, cair-lhe no Tabaquinho, um dia, às três horas!
E quando ele entrasse empoeirado e encalmado, de lunetas azuis, atirar-se-lhe ao
pescoço! E à tardinha, pelo braço dele, ainda quebrada da jornada, com um vestido
fresco, ir ver a cidade. Pelas ruas estreitas e tristes admiravam-na muito. Os homens
vinham às portas das lojas. Quem seria? É de Lisboa. É a do engenheiro. – E diante do
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