Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1189

toucador, apertando o corpete do vestido, sorria àquelas imaginações, e ao seu rosto, no
espelho. (pp. 47-48)
Sequência 2 – capítulo V
Ficou só. Fechou as janelas, acendeu as velas, começou a passear pela sala
esfregando devagar as mãos. E, sem querer, não podia desprender a ideia de Leopoldina
que ia ver o seu amante! O seu amante!... Segui-a mentalmente: - caminhava depressa
decerto falando com Juliana; chegava; subia a escada, nervosa; atirava com a porta – e
que delicioso, que ávido, que profundo o primeiro beijo! Suspirou. Também ela amava
– e
um
mais belo, mais fascinante. Por que não tinha vindo?
Sentou-se ao piano preguiçosamente; pôs-se a cantar baixo, triste, o fado de
leopoldina:
E por mais longe que esteja
Vejo-o sempre ao pé de mim!...
Mas um sentimento de solidão, de abandono, veio impacientá-la. Que seca,
estar ali tão sozinha! Aquela noite cálida, bela e doce, atraía-a, chamava-a para fora,
para passeios sentimentais, ou para contemplações do céu, num banco de jardim, com
as mãos entrelaçadas. Que vida estúpida, a dela! Oh! Aquele Jorge! Que idéia ir para o
Alentejo!
As conversas de Leopoldina e a lembrança das suas felicidades voltavam-lhe a
cada momento; uma pontinha de
champagne
agitava-se-lhe no sangue. O relógio do
quarto começou lentamente a dar nove horas – e de repente a campainha retiniu.
Teve um sobressalto: não podia ser ainda Juliana! Pôs-se a escutar, assustada.
Vozes falavam à cancela.
- Minha senhora – veio dizer Joana baixo -, é o primo da senhora que diz que
vem se despedir...
Abafou um grito, balbuciou:
- Que entre!
Os seus olhos dilatados cravaram-se febrilmente na porta. O reposteiro franziu-
se, Basílio entrou, pálido, com um sorriso fixo.
- Tu partes! – exclamou ela surdamente, precipitando-se para ele.
- Não! – E prendeu-a nos braços. – Não! Imaginei que não me recebias a esta
hora, e tomei este pretexto.
Apertou-a contra si, beijou-a; ela deixava, toda abandonada; os seus lábios
prendiam-se aos dele. Basílio deitou um olhar rápido, em redor, pela sala, e foi-a
levando abraçada, murmurando: “Meu amor! Minha filha!” Mesmo tropeçou na pele de
tigre, estendida ao pé do divã.
- Adoro-te!
- Que susto que tive! – suspirou Luísa.
- Tiveste?
Ela não respondeu; ia perdendo a percepção nítida das coisas; sentia-se como
adormecer; balbuciou: “Jesus! Não! Não!” Os seus olhos cerraram-se.
Quando a campainha retiniu fortemente às dez horas, Luísa, havia momentos,
sentara-se à beira do divã. Mal teve força de dizer a Basílio:
- Há de ser a Juliana, tinha ido fora...
Basílio cofiou o bigode, deu duas voltas na sala, foi acender um charuto. Para
quebrar o silêncio sentou-se ao piano, tocou alguns compassos ao acaso, e, erguendo um
pouco a voz, começou a cantarolar a ária do terceiro ato do fausto:
Al pallido chiarore
Degli astri d´oro...
Luísa, através das últimas vibrações dos seus nervos, ia entrando na realidade;
os seus joelhos tremiam. E então, ouvindo aquela melodia, uma recordação foi-se
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