Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1075

Eles pareciam emanar de toda parte, brotados da calidez um tanto úmida do ar, eles se
derramavam vagarosamente como se escorressem das paredes, das árvores engradeadas,
dos bancos, dos passeios sujos, das praças.
Eles se espreguiçavam em longos cachos escuros por entre as fachadas mortas das
casas. De vez em quando, diante das vitrines das lojas, eles formavam núcleos
compactos, imóveis, provocando alguns tumultos, como breves estrangulamentos.
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Podemos perceber o esforço poético em dar conta de uma imagem ancorada em
ils
”(a multidão como água ou a massa humana como um corpo) por meio de “emanar”,
que desloca os sentidos de “brotar”, de “derramar” e de “escorrer” no primeiro
parágrafo do texto, e “espreguiçar”, no segundo, que, associado a “tumulto”, confere, ao
sentido de “estrangulamento”, desdobramentos como na poesia.
É preciso lembrar que o livro
Tropismes
foi descrito por Nathalie Sarraute como
“pequenos poemas em prosa”, e a sua intenção de se aproximar da poesia é reiterada no
seu texto de 1969 sobre
A linguagem na Arte do Romance
, no qual ela afirma que “o
romance está cada vez mais próximo da poesia, no sentido que esta (a poesia) deve
abandonar o que a torna pesada: os grandes sentimentos, as emoções conhecidas,
desvencilhar-se da rima que deixava passar as sensações sutis, e se aproximar da
prosa”
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. Nathalie Sarraute afirma nesse texto que o escritor deve dar à linguagem a
qualidade de palavra essencial, que Mallarmé opunha à palavra bruta e, nesse sentido,
dar ao leitor uma certa “ordem de sensações”. Essa “ordem de sensações”, que expressa
algo novo e único, se opõe às sensações já conhecidas /já desvendadas/ já
incessantemente empregadas na literatura.
As sensações emanam da forma, por isso cada ordem de sensações apenas pode
encontrar uma única forma. Nathalie Sarraute descreve a sua própria forma de escrever
como associada à ideia de “transe” e “dança”, onde pouco importam os personagens,
mas, antes, o movimento das imagens associadas a uns e outros que não tenham
características ou histórias de vida que os individualizem.
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Tradução nossa.
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Sarraute 1996, p. 1694.
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