Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 1073

A metáfora da cratera lembra “
craquelure
” (rachaduras), que é uma imagem
presente em
Tropismes
, primeiro livro de Nathalie Sarraute. Quanto à metáfora
craquelure
”, aqui evocada para ser comparada a “
cratère
”, lembramos o depoimento
7
publicado recentemente pela Bibliothèque Nationale de France, que nos aponta para
essa comparação possível entre uma imagem do primeiro livro
Tropismes
e sua
ampliação no último livro
Ouvrez
:
Eu sou uma leitora crítica demais para ousar reler meus próprios livros. O único, no
entanto, ao qual eu volto algumas vezes sem mesmo ter necessidade de abri-lo, pois eu
me lembro bem de certas passagens, é o primeiro livro que escrevi:
Tropismes
.
Parece-me a mim, então, que revejo as primeiras finas rachaduras na parede espessa,
toda lisa, que antigamente me envolvia, e de onde um dia algumas gotas de uma
substância desconhecida para mim tinham-se filtrado. Desde então, eu apenas me
esforcei em aumentar essas rachaduras. Quando, ao longo do meu trabalho, me parece
de repente que, apesar de mim, a parede se fecha, recobrindo a substância fluida, eu
encontro essa substância logo em seguida em um dos meus primeiros Tropismos –
como uma gotinha que se desprende de uma massa enorme que eu nunca terminarei de
captar – e eu encontro de novo a espontaneidade, a candura confiante do primeiro
élan
,
desse impulso dado a tudo o que eu escrevi em seguida. (Sarraute apud Ángremy 1995)
8
De “rachadura” para “cratera”, aconteceu uma radicalização do processo de se
criar heterogeneidade a partir de um universo homogêneo (“parede lisa” em
Tropismes
ou a “mais banal das conversas” em
Ouvrez
). O movimento de ausência/presença de
uma letra/som cria heterogeneidade.
Sendo “cratera” a abertura de um vulcão, é interessante lembrar que a própria
Nathalie Sarraute fala em “magma” para descrever os tropismos, dizendo que eles são
“virtualidades fundidas em um magma”
9
.
7
Sarraute, N. Texto sobre
Tropismes
publicado pela primeira vez na edição sobre a escrita de
Nathalie Sarraute da Bibliothèque National de France, realizada por ocasião da exposição
Nathalie
Sarraute, Portrait d’un Écrivain
, realizada na própria Bibliothèque National de France, na Galerie
Colbert, de 13 de abril a 27 de maio de 1995.
8
Tradução nossa.
9
“(Os tropismos são) algo de invisível que é feito de elementos esparsos, que nós adivinhamos,
que nós pressentimos muito vagamente, elementos amorfos, que jazem, privados de existência, perdidos
na massa infinita de possibilidades, de virtualidades, fundidos em um magma, aprisionados na teia do
visível, sufocados pelo
déjà-vu
, sob a banalidade e a convenção.” (Sarraute 1996, p. 1644.)
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