Memória dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (2001-2007)
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reflexão tem em mira, trazer para o grupo a dimensão de que, além de “coletar papéis e
materiais recicláveis”, esses homens e mulheres têm direito a um passado, como qualquer
outro cidadão brasileiro; de partilhar do que é produzido no país, em termos materiais e,
também, em termos culturais; de expressar os seus sonhos e as mazelas de uma vida
difícil em meio a tantas carências; de reivindicar e garantir uma vida digna para si e seus
filhos.
Esse é o desafio desses escritos, tanto daqueles que participaram das diferentes
fases, na tarefa de produção de fontes e de elaboração desse livro, quanto desses homens
e mulheres que aceitaram falar de suas vidas e expor publicamente as dificuldades para
garantir sua subsistência, diante das incertezas enfrentadas cotidianamente.
Antes de prosseguir, algumas palavras precisam ser ditas sobre os procedimentos
adotados na definição dos entrevistados. A escolha foi feita tomando-se por base dois
grupos de pessoas: os integrantes, homens e mulheres, da diretoria da Cooperativa –
que agrega trabalhadores cuja proposta vincula-se à perspectiva de uma experiência de
economia solidária –, e um grupo aleatório de mulheres que trabalha na coleta, de casa em
casa e nas atividades diversas do barracão, perfazendo 13 narradores. Os motivos para tal
escolha devem-se, por um lado, à intenção de acompanhar as percepções desses homens
e mulheres sobre o aprendizado e as dificuldades para ir delineando as diretrizes políticas
(e as barreiras) para a gestão da Cooperativa e, por outro, à necessidade de perceber a
trajetória desses protagonistas, notadamente das mulheres, muitas delas responsáveis
pela manutenção de sua família, considerando-se que, das entrevistadas, a maioria é mãe
e cria sozinha os seus filhos.
Inicialmente, a intenção era fazer histórias de vida, o que não se tornou viável, em
virtude das dificuldades iniciais dos depoentes em falar livremente sobre si mesmo. Então,
optou-se pela entrevista, com perguntas seguindo um roteiro mais amplo, com o objetivo
de recuperar, sucintamente, valendo-se de suas falas, a trajetória de cada um desses
sujeitos
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, mas buscando mapear a sua percepção sobre o processo de vida e de trabalho,
voltado para essa nova inserção no “sistema solidário de trabalho”, como cogestores da
Cooperativa de materiais recicláveis
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. Os entrevistados escolhidos, pela própria definição
 3
Para a definição dos procedimentos metodológicos foram consultados alguns estudos sobre
história oral e suas possibilidades, tais como: MONTENEGRO, Antonio Torres.
História oral e
memória: a cultura popular revisitada.
São Paulo: Contexto, 1992; ALBERTI, Verena. Histórias
dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi.
Fontes Históricas.
1ª. ed. São Paulo: Contexto,
2005. p.155-202; FREITAS, Sônia Maria de.
História Oral: possibilidades e procedimentos.
São
Paulo: Humanitas/FFLCH/USP: Imprensa Oficial do Estado, 2002; PORTELLI, Alessandro. Sonhos
Ucrônicos, Memória e Possíveis Mundos dos Trabalhadores.
Projeto História
, nº 10, São Paulo:
Educ, 1993.
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Esse processo foi amplamente discutido e o roteiro final foi produzido, em 2011, pela autora e
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