Assim, vimos como as injunções sociais, intelectuais, ideológicas,
linguísticas, literárias e afetivas podem distanciar os modos ou níveis de recepção de
uma mesma obra para um leitor da época e, por exemplo, um aluno da educação básica
que hoje se dedique a essa leitura. Do ponto de vista pedagógico, portanto, observamos
no caso analisado a importância do processo afetivo que, motivado pelo prazer da
narrativa fluida (
allegro vivace
, como definiu Candido) e pelo rico cenário pitoresco,
torna possível uma obra do século XIX se concretizar no horizonte do leitor jovem
contemporâneo. O processo de preenchimento de certas indeterminações referenciais
presentes na obra
Memórias de um Sargento de Milícias
não se dá exclusivamente pelo
reconhecimento do referencial objetivo do texto, por parte do leitor, mas pode ocorrer
na sua substituição por outros elementos do horizonte do leitor com o qual mantenha
uma relação de proximidade ou equivalência. Contudo, caso um professor, por exemplo,
assuma uma postura historicista, tomará
a obra como documento, exigindo dos alunos a
busca exaustiva pelo referente histórico de um lugar e de uma época. E, enfim, a
percepção estética seria tolhida por uma verticalização do processo intelectual em grau
excessivo e desnecessário, deixando de reconhecer o modo como a narrativa dialoga
com um universo fabuloso e familiar do horizonte do aluno.
Conclusão
Por fim, concluiremos retomando o questionamento sobre o papel
docente, este como mediador da recepção desse romance entre os jovens alunos,
apoiamo-nos primeiramente em Iser, para pensarmos os problemas relativos à
referencialização histórica no texto literário. Para ele, “apesar de sua ligação dos dados
determinados, a imagem mantém uma grande margem de liberdade face à modelagem
do objeto imaginário” (ISER, 1979, p. 113). Com isso, o conhecimento passa por
constantes modificações “para que possa se conformar ao objeto imaginário
emergente.” Nos textos ficcionais, o objeto nunca se molda de forma definitiva, “obriga
ao leitor abandonar a imagem e construir uma outra. Ele próprio põe em movimento
uma interação de suas imagens, interação que é articulada pelo texto.” (ISER, 1979, p.
113-114)
Dessa forma, podemos inferir que o problema em sala de aula possa ser
de metodologia e foco. Isto é, se tomado como documento, um romance dessa natureza