linguística
); e, por outro, empaticamente tenta projetar nesse processo de ideação a
mesma familiaridade com que se expõe o narrador, procurando aderir ao prazer
(
injunção afetiva
) que expressa ao se lembrar de um passado mais “feliz”. Ora, esse
prazer pela lembrança do que é familiar, orientado pelo texto, jamais se constrói para o
leitor atual em relação ao objeto em si (não vislumbrado por ele): a sociedade da corte
carioca; mas, pelo dever de acontecer (pois, sem o processo afetivo, rejeitam-se os
demais), o prazer da lembrança construir-se-á pela familiaridade das imagens fornecidas
por outras narrativas: pela História e, principalmente, pelas “estórias” que constituem o
horizonte desse leitor contemporâneo. Talvez se possa, portanto, concluir que, em
Memórias de um Sargento de Milícias
, a fábula supera o realismo e o prazer da
imaginação supera o conhecimento de dados históricos.
Entretanto, o preenchimento através desse repertório fabular do jovem
leitor, de certa maneira autorizado pelo texto, não adquire exclusividade no processo de
construção do sentido, não é autônomo nem diminui a força referencial do texto, mas
dialoga com ela, construindo um novo repertório, como explica Iser:
O texto ficcional adquire sua função, não pela comparação ruinosa com a realidade, mas
sim pela mediação de uma realidade que se organiza por ela, [...] Como estrutura de
comunicação, não é idêntica nem com a realidade a que se refere, nem com o repertório
de disposições de seu possível receptor, pois virtualiza tanto a forma de interpretação
dominante da realidade, com que cria seu repertório, quanto o repertório das normas e
valores de seu possível receptor (ISER, 1979, p. 105).
Por fim, o lugar de que nos fala o narrador (e porque não considerar o
próprio autor?) deve ser compreendido principalmente no modo como se reflete nessa
obra uma tensão entre sua tendência popularesca (de onde nascem suas
indeterminações) e a própria escola romântica em que está inserida (
injunção literária
),
tensão que só poderá ser percebida caso o leitor possua em seu repertório leituras de
outras obras da tradição romântica.
Candido, mais uma vez discordando da denominação de
romance
documentário
, analisa a atividade do narrador de
Memórias
da seguinte maneira: “o
panorama que ele traça não é amplo. Restrito espacialmente, a sua ação decorre no Rio,
sobretudo no que são hoje as áreas centrais e naquele tempo constituíam o grosso da
cidade” (CANDIDO, 1993, p. 31). Ainda que Candido prossiga sua leitura dos veios
descontínuos com ênfase na representação social e na descrição dos costumes, a
observação se aplica às noções de espaço e tempo. E, notando que não se veja o autor