Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 840

dimensão filosóficoexistencialista da obra, principalmente no que diz
respeito à relação entre linguagem e a condição humana. Olga de Sá, em
A
escritura de Clarice Lispector
(1979), caracteriza a obra lispectoriana
“como uma escritura metafóricometafísica, dilacerada pelo dilema entre
existir e escrever” (18). Entretanto, já em 1943, a propósito de
Perto do
coração selvagem
, Antonio Candido apontava a preocupação
epistemológica aí presente e que continuaria aparente nos livros
subsequentes. Candido afirma que Lispector procura “fazer da ficção uma
forma de conhecimento do mundo e das ideias” (“No raiar”, 126). Desse
modo, a sondagem psicológica do sujeito, assim como a percepção de si e da
realidade, ocorrem mediante a problematização da linguagem, entendida esta
sempre como insuficiente e imperfeita. (BAILEY, 2011, p.12).
Vale lembrar, conforme Silvia Azevedo (2002, p.15), que o conhecimento “[...]
veiculado pela literatura é um ‘conhecimento poético’, ou seja, uma experiência de
linguagem, uma forma de articulação de linguagem, a ‘linguagem dentro da linguagem’
como queria o poeta e crítico Paul Valéry.”
A epifania, elemento narrativo apontado como característico dos textos da
autora, também é abordado por Rossoni (2001, p.172), que escreve:
Por se tratar de um processo, a constância repetitiva do trabalho de
Clarice com o texto e consigo mesma, vai tecendo um quadro de
autoconhecimnento através da associação de revelações, uma vez que cada
obra parece ser a vivência explícita e exterior do momento epifânico
experienciado por seus personagens interiorizados no próprio contexto.
Essa prática conduz e confirma dois fatos determinantes no fazer
literário de Clarice Lispector. Primeiro, uma ordenação cíclica e ao mesmo
tempo concêntrica de estruturação vivêncio-criativa. Segundo, a
potencialidade tônica de uma força centrípeta que orienta, mantém e
dinamiza todo o sistema construtivo impulsionando "tudo" e "todos" para o
centro, para o fundo, para o silêncio abismal. Este parece ser, então, o
percurso que possibilita a revelação do ser primordial que assiste em todo o
indivíduo.
Ainda que abordando apenas romances, Porto e Ferro (2009) contextualizam a
vertente da produção literária de Lispector. O aspecto dialógico dos textos da escritora
corresponde, como afirmam as autoras, a um novo modo de apreender e compreender a
realidade (PORTO; FERRO, 2009, p.331). O leitor deste tipo de produção é convocado
à reflexão quando diante de um texto no qual:
[...] as angústias existenciais e as preocupações sociais dos indivíduos se
inscrevem ficcionalmente, revelando, através do jogo literário, os
fragmentos em profusão da figura do sujeito.
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