Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 810

Intertextualidade, humor e ironia
Uma questão relacionada ao humor que deve ser apontada é quando a
personagem principal do quadrinho (ou piada) é uma criança. Nesta situação, o humor
pode ser gerado pela destruição da hipótese da ignorância das crianças sobre temas
secretos ou tabus como em quadrinhos que as crianças conhecem ou fazem o que se
supõe que desconheçam ou não façam. Possenti (1998) cita como exemplo desta
característica do humor de criança justamente a Mafalda, uma menina cujo discurso não
tem nada de infantil, pois sabe mais sobre política e outros temas adultos do que se
imagina que uma criança saiba, como sabe sobre eles mais que a maioria dos adultos. O
que produz efeito de humor, no entanto, não são apenas essas características do discurso
da Mafalda. O que o provoca é que ela enuncia discursos contraideológicos, marcados,
veiculadores de uma visão não conformista. Para usar um termo corrente no auge da
circulação da personagem, Mafalda enuncia discursos que poderiam ser chamados de
subversivos (as ditaduras vigoravam explicitamente), pondo continuamente em xeque as
verdades oficiais e as dos adultos. Apenas secundariamente o prazer de ouvi-los se deve
ao fato de que Mafalda é uma criança. Outro tipo de discurso comum nos textos
cômicos de criança caracteriza-se pela violação de regras de discurso, pelo fato de que
crianças dizem o que não se poderia dizer, ou seja, o que os adultos não poderiam dizer.
Talvez se possa dizer que as crianças não sabem o que dizem, e só por isso o dizem.
Também a ironia é um fator que pode contribuir para o humor presente nas tiras
da Mafalda. Ducrot (1987), baseado em Sperber e Wilson, afirma que um discurso
irônico consiste sempre em fazer dizer, por alguém diferente do locutor, coisas
evidentemente absurdas, a fazer, pois, ouvir uma voz que não é a do locutor e que
sustenta o insustentável. Entretanto, o locutor não mente e nem finge mentir: ele
estabelece um jogo no qual faz duas afirmações de uma única vez. É importante dizer
que não só a identificação da ironia, mas também a da intertextualidade são relativas ao
leitor. Na visão de Maingueneau (1997), o intertexto é um componente decisivo das
condições de produção, pois um discurso não vem ao mundo numa inocente solicitude,
mas constrói-se através de um já dito em relação ao qual toma posição.
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