Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 785

especialmente profícuas para se investigar como falante e ouvinte se relacioname que discursos seus
enunciados convocame constroem.
Sob o primado da interação verbal e do dialogismo, a noção de sujeito também sofre
deslocamentos importantes: não se trata de um lugar estanque e isolado, mas de posições que vão se
constituindo no próprio discurso. O ‘um’ só se configura a partir da visão do ‘outro’ e só este pode,
do exterior, enxergar a completude daquele. O ‘um’ só tem acesso a si mesmo, à sua totalidade, a
partir da visão que o ‘outro’dele constrói. Dessa forma, na constituição do ‘eu’ está necessariamente
o seu exterior, o ‘outro’. Se o próprio ser se configura a partir da interação com outro ser, o mesmo
ocorre com os sentidos dos discursos. Essa concepção vai de encontro à noção de emissor/receptor
como pólos dissociados e estanques, pois tanto as idéias quanto as palavras do ‘outro’ estão na fala
do ‘um’, seja explicitamente marcadas ou citadas, seja assimiladas ou reelaboradas ou, ainda,
disfarçadas sob umdiscurso aparentemente fechado emsi mesmo.
E o interlocutor não é uma figura abstrata: mesmo que não seja um indivíduo
particularmente identificável (ao contrário do que ocorre na conversação interpessoal), representa
um grupo, dirige-se a um “auditório social” e é sobre essa idéia que se constrói o discurso. Tal
horizonte da interlocução é determinado a partir do prisma do meio social concreto que envolve os
falantes. Isso pode ser percebido, por exemplo, no discurso radiofônico, sempre dirigido a um
destinatário cuja identificação pontual isolada é praticamente impossível, haja vista que, como meio
de comunicação de massa, o rádio atinge a um público indeterminado, pelo menos individual e
numericamente. Ainda assim, os enunciados transmitidos constroem-se tendo como parâmetro um
auditório presumido, constituído justamente a partir desses mesmos enunciados. Ou seja, ao mesmo
tempo que se destina a um interlocutor, o enunciado o conforma.
Logo, o enunciado se torna produto da interação do falante e do destinatário porque tem
duas faces: sua determinação vem tanto de quem fala quanto de quem a ele se dirige; ele tem,
portanto, dupla orientação. O enunciado é o território comum do falante
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e do interlocutor
(BAKHTIN, 1993, p. 107), que mantém uma atitude responsiva ativa, ainda que em mera postura
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Bakhtin também usa o termo locutor para designar a figura do falante. Na terminologia empregada
por ele (em especial em
Marxismo e filosofia da linguagem
(1995)), locutor e interlocutor são os
sujeitos envolvidos na interação verbal, sendo locutor aquele que profere o enunciado e interlocutor,
aquele a quem o enunciado se dirige, seja real ou presumido. Locutor, nesse caso, não se confunde
com o profissional de rádio que apresenta informações ou comanda programas, designado com o
mesmo termo ou pela palavra “apresentador”. Para evitar essa possível confusão, optou-se aqui por
utilizar a expressão ‘falante’, já presente em
Estética da criação verbal
(2003) quando a referência for
ao sujeito do discurso. Quanto a ouvinte, o risco de confusão também surge, pois o termo relaciona-se
tanto com aquele a quem se dirigem os enunciados de uma forma geral como aquele a quem a
mensagem radiofônica se destina especificamente. Para evitar possíveis equívocos, procurar-se-á
respeitar o uso da expressão “destinatário” para o interlocutor .
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