Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 592

uma rede de constituição. O sentido pode ser um deslocamento nessa rede, mas por
outro lado, há a imposição à sua estabilização: nesse caso, o sujeito não se desloca, o
sentido não flui. É assim que ele é pego pelas malhas do discurso, pelos lugares
(dizeres) já estabelecidos, num imaginário em que sua memória só repete. Umberto
ECO nos oferece um delicioso exemplo dessa situação, quando diz que a resposta pós-
moderna ao moderno consiste em reconhecer que o passado, já que não pode ser
destruído porque sua destruição leva ao silêncio, deve ser revisitado com ironia, de
maneira não inocente:
Penso na atitude pós-moderna como a de um homem que ama uma mulher muito culta e
sabe que não pode dizer-lhe 'eu te amo desesperadamente', porque sabe que ela sabe (e
ela sabe que ele sabe) que esta frase já foi escrita por Liala. Entretanto, existe uma
solução. Ele poderá dizer: "Como diria Liala, eu te amo, desesperadamente." A essa
altura, tendo evitado a falsa inocência, tendo dito claramente que não se pode mais falar
de maneira inocente, ele terá dito à mulher o que queria dizer: que a ama, mas que a
ama em uma época de inocência perdida. Se a mulher entra no jogo, terá igualmente
recebido uma declaração de amor. Nenhum dos dois interlocutores se sentirá inocente,
ambos terão aceito o desafio do passado, do já dito que não se pode eliminar, ambos
jogarão conscientemente e com prazer o jogo da ironia... Mas ambos terão conseguido
mais uma vez falar de amor (1985, p. 57).
Essa impossibilidade de o homem ultrapassar suas próprias condições,
constatada por Foucault no texto
A analítica da finitude
, (1999, p. 430-536) nos
impele a fazermos algumas considerações: se a possibilidade de o homem intervir
historicamente no mundo, transformando-o, é negada ou chamada de mito ou utopia,
passamos a entender que o mundo é um dado irreversível, como aqueles que, em um
problema de Matemática, não podemos mudar, apenas equacionar. Na verdade, até o
equacionamento fica impedido e só nos resta a justificação do que há: e viva o
progresso, e vamos produzir e gerar divisas, rodas de engrenagens e cifras que somos...
Será assim? Cremos que não, se levarmos em conta que intervir não é estabelecer o que
é certo ou errado, uma vez que valores são pontos de discussão (ou deveriam ser) o que
não os elimina, mas ajuda a conviver com eles. Assim, em defesa de que não se entenda
como ‘então, de nada adianta fazer nada’, o que levaria fatalmente ao imobilismo ou ao
relativismo absolutos, é importante destacar alguns pontos, nessa intrincada e complexa
rede de relações.
Em primeiro lugar, em seus escritos, Foucault não estava em busca de uma
verdade em uma suposta unidade das origens ou linear dos fins, mas o que procurava
fazer era introduzir nessa suposta verdade ou linearidade o acaso e o descontínuo.
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