Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 590

literalidade, que é aquele sentido que uma palavra tem independentemente de seu uso
em qualquer contexto. No entanto, é possível apreender de forma crítica a ilusão que
está na base do estatuto primitivo da literalidade: o fato de que ele é produto histórico,
efeito de discursos que sofrem as determinações dos modos de assujeitamento das
diferentes formas-sujeitos na sua historicidade e em relação às diferentes formas de
poder. Na mesma apostila, a etimologia da palavra empreendedorismo é apresentada de
maneira descontextualizada e a-histórica, apesar de trazer informações sobre o tempo e
espaço de sua constituição. Observemos:
O vocábulo é derivado da palavra "imprehendere" do latim, tendo seu correspondente
'empreender' surgido na língua portuguesa no século XV. A expressão "empreendedor",
segundo o dicionário etimológico Nova Fronteira, 2
ª
edição , 1986, teria surgido na
língua portuguesa no século seguinte(XVI). Todavia, a expressão empreendedorismo
parece ter sido originada na tradução da expressão " entrepreneurship" da linha inglesa
que, por sua vez, é composta da palavra "entrepeneur" e do sufixo inglês "ship". O
sufixo inglês "ship" indica posição, grau, relação, estado ou qualidade, tal como em
"friendship" (amizade ou a qualidade de ter amigo) . O sufixo pode ainda significar uma
habilidade ou perícia ou, ainda, uma combinação de todos esses significados, como em
"leadership" (liderança= perícia ou habilidade de liderar) (APOSTILA Oficinas de
Empreendedorismo, DAVID; MAYER , facilitadoras).
Nessa definição, o abstrato prevalece sobre o concreto. Retira a palavra da
cadeia da comunicação verbal, isolando-a. É a palavra na situação-dicionária, de que
fala João Cabral de Mello Neto, no poema
Rios sem discurso
. Bakhtin chama a
atenção para o fato de a enunciação monológica de uma palavra retirada de seu contexto
vivo transformar-se, de fato, em uma abstração. A concretização da palavra só seria
possível com a sua inclusão no contexto histórico real de sua realização primitiva, não
como dado abstrato, mas como rede de relações. Buscar nela esse histórico vivo, de
ligação com todos os fios que a criaram e modificaram, dialogizando-a ao máximo,
seria devolver-lhe a voz ou as vozes que encerra e que não se cansam de modificar-se.
Sobre essa questão, Bakhtin/Volochinov dizem:
Quando o filólogo-linguista alinha os contextos possíveis de uma palavra dada, ele
acentua o fator de conformidade à norma: o que lhe importa é extrair desses contextos
dispostos lado a lado uma determinação descontextualizada, para poder encerrar a
palavra num dicionário. Esse processo de isolamento da palavra, de estabilização de sua
significação fora de todo o contexto, é reforçado ainda mais pela justaposição de
línguas, isto é, pela procura paralela numa língua diferente. A pesquisa linguística
constrói a significação a partir do ponto de convergência de pelo menos duas línguas.
Esse trabalho do linguista torna-se ainda mais complicado pelo fato de que ele cria a
ficção de um recorte único da realidade, que se reflete na língua. É o objeto único,
sempre idêntico a si próprio, que garante a unicidade de sentido (1997, p. 106-107).
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