Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 602

possível de mulheres desde sua iniciação sexual aos 13 anos. Paulo configura-se, pelos
recursos lingüísticos e vocabulares utilizados, como apenas um apêndice incômodo na
vida familiar de Antônio e seu pai. Temos então o patriarca, o filho mais velho e o mais
novo; não há a figura feminina da mãe, pois esta morrera no parto de Paulo.
Cabe destacar nessa
cena
a presença de um sema novo, mas muito importante
para que se entenda a enunciação caracterizadora do sentimento de exílio de Paulo: o
livro
estrangeiro como ponto de refúgio frente a toda a violência sofrida, o sentimento
de exílio de quem não pertence ao local em que se encontra; não se reconhece no outro
e que precisa refugiar-se nos confins de sua fantasia de um mundo mais justo:
Com cuidado trouxe para fora o livro em que, na capa colorida seu herói favorito
descobria, do alto de um penhasco, no profundo vale abaixo, às margens de um rio
largo, azul e caudaloso, uma civilização perdida na selva por séculos. [...]
- Está lendo o quê, Neguinho?Livro de putaria? Não gosto de ler. Nem livro de
sacanagem eu gosto de ler. Perda de tempo. Meu negócio é foder. O que eu gosto
mesmo é de meter. Meto em boceta, meto em cu, meto na boca, meu negócio é meter,
enfiar minha caceta e gozar. Gozar muito. Tenho muita porra prá gozar e ...
Logo Paulo estava longe dalí. A dor desapareceu. Não havia mais vergonha, nem
tristeza. Percorria as ruas de uma cidade fabulosa escondida no jângal africano[...]
Tarzan desvencilhou-se das cordas que o prendiam e ...
Antônio arrancou o livro das mãos de Paulo. (pp. 30-31)
As pontes estésicas de sentido ao longo de nosso corpus de análise completam-
se no ato mental, espiritual, as quais sem as referências básicas, os homens deixam de
perceber as sombras enquanto tais e vivem de sensações, isto é, da mera aparência, que
é ao mesmo tempo a sua realidade e a impossibilidade de fazer a distinção entre as
coisas e suas projeções. A Grande Literatura abre-se, tanto do ponto de vista da
produção quanto da recepção, como uma das maneiras de darmos vazão a nossa procura
por um significado maior do que a simples automação recortada do discurso
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, tanto no
que é transmitido pelos
mass media
dotados de áudio e/ou áudio-visual, quanto nas
interações sócio-discursivas. Optamos às vezes, como forma de vazão para as vozes
interiores que nos perpassam constitutivamente, pelo diálogo solitário entre as forças
centrípeta e centrífuga que impelem o homem filosófico ao confronto existencial entre o
mundo em sua cabeça e o mundo que o circunda.
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Empregaremos o termo discurso nesse artigo como os significados representacionais das diversas vozes
manifestadas dentro da narrativa.
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