Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 304

A seguir, existe uma argumentação com o objetivo de demonstração ligada ao
primeiro enunciado: “E, em torno de ti, os que o compram e o adaptam lentamente e
moralmente se fazem à tua imagem”. A responsabilidade está em cima do jornal e do
dono do jornal. E, implicitamente, o jornal é o perfil do dono. Linguisticamente, repete-
se o binarismo, de outro parágrafo, só que agora o binarismo é adverbial: lentamente e
moralmente.
O enunciado seguinte remete-se ao terceiro pecado, a negríssima intolerância,
principalmente a intolerância partidária e ideológica. O termo de comparação está
representado pelo alambique destilador do álcool e a multidão que lê o jornal é usuária
desse alambique. Logo, se o álcool envenena, embebeda, afrouxa as vontades, o jornal,
que lhe é comparado, produz o mesmo efeito. Então, o jornal será a causa e o
entorpecimento, a consequência.
Usando da metáfora, a carta de Fradique compara a ação da natureza “um rio
arredonda e alisa todos os seixos que nele rolam”, com o tempo que “amacia e
arredonda as divergências humanas”, através da paciência e da socialização.
Contudo, “se cada manhã o jornal não avivasse os ódios de princípios, de classes,
de raças, e, com os seus gritos, os acirrasse como se acirram mastins até que se
enfureçam e mordam”, não anularia a ação da natureza e da socialização. Chegando ao
extremo da demonstração, Fradique faz paralelo com as funções malignas de Satanás,
de quem herdou a ubiquidade, com a função maligna da imprensa, como motor da
discórdia. Tal discórdia é demonstrada na carta por uma greve que se alastra por
incitação da imprensa, que estimula conflitos, por diversidade de interesses, por insuflar
a confrontação, na ordem espiritual, entre dois credos. Nesse parágrafo, a argumentação,
isto é, o ato perlocutivo realiza-se através da demonstração.
No décimo parágrafo, quando o texto já caminha para o seu final, há uma postura
quase apocalíptica: “O jornal matou na Terra a paz”, quer dizer, o jornal destruiu a terra.
E o processo demonstrativo continua: atiça as questões já dormentes, inventa dissensões
novas e tira de séculos passados “as anacrónicas e brutas perseguições medievais”.
Esse parágrafo que é o fecho das idéias de Fradique parece ser de um crítico, de
um analista, que vê na imprensa, e na sua capacidade ubíqua, o elemento destruidor da
sociedade. Na última linha deste parágrafo, subentende-se que Fradique iria continuar
suas críticas e pontos de vista sobre a imprensa: “Depois é o jornal...”
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