Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 298

Continuando a condenar a imprensa, a ironia se presentifica como já foi dito,
através das palavras cuidadosamente escolhidas. Assim se lê:... “o rabisco da pena, com
um traço, esparrinha e julga”. Esse enunciado sintetiza a ação da imprensa e do
jornalista, que numa sentada e com um traço, julga e esparrinha. Este é um verbo
intransitivo e significa sair ou projetar-se em burrifos, ou seja, aos poucos e
superficialmente. Há um sintagma verbal duplo, através dos verbos “esparrinhar” e
“julgar” e o sujeito desses dois verbos é “o rabisco de uma pena”. Como pode com um
traço esparrinhar e julgar?
Fradique ironiza e transforma os atos ilocutivos em perlocutivos e toda essa
transformação realiza-se no nível semântico, trabalhado por Ducrot (1972). Há um jogo
entre o dizer e o não dito, cujo dizer está explícito na superfície discursiva e o não dito,
o implícito, pode ser lido na superfície discursiva profunda. Percebe-se a importância do
jogo da linguagem, entre o ato ilocutivo e o ato perlocutivo, passando de um para o
outro, através desse jogo, sai de uma simples informação para persuasão.
O personagem de Eça argumenta e demonstra, exemplificando, que o jornal
francês cometeu o primeiro pecado: juízo ligeiro ao comentar a situação econômica e
política de Portugal que em Lisboa os filhos das mais ilustres famílias da aristocracia se
empregavam como carregadores da Alfândega, e ao fim de cada mês, mandavam
receber as soldadas pelos seus lacaios. Indicia o próximo pecado, a vaidade, pelo fato
dos fidalgos não aparecerem pessoalmente para receber seus salários.
Caminhando sobre a pena ironiza o jornal de Paris, que com estrutura empresarial,
pode ter divulgado o ouvir dizer, comprovado por telefone e pelas enciclopédias. Como
pode a Alfândega empregar fidalgo e pagar, no final do mês, o salário para lacaio? Eis
aí o problema da superficialidade, do sensacionalismo e da bisbilhotice dos paparazzi
daquela época, correndo atrás da notícia, ou melhor, do furo e do lucro.
Eça de Queiroz exaltou com entusiasmo aspectos da vida, e criticou com ironia
fatos que comprovassem as fraquezas e tolices humanas e, nesse estilo, tão seu, a
superlativação desempenhou papel importante.
Continua sua carta com um outro exemplo argumentativo sobre a vaidade, com o
intuito de persuadir o destinatário, Bento de S.:
E quantos mais detalhes a esfuracadora bisbilhotice dos repórteres revelar sobre o Sr.
Renan, e os seus móveis, e a sua roupa branca, tantos mais elementos positivos possuirá
o século XX para reconstruir com segurança a personalidade do autor das “Origens do
Cristianismo”, e, através dela, compreender a obra (QUEIROZ, s/d).
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