Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 301

devorar e roer. Embora o verbo apetecer tenha sido empregado no sentido de desejar ter
o nome impresso com tinta bem negra no jornal, junto com os outros verbos, ele sai do
sentido abstrato, para o sentido concreto, uma vez que apetecer também significa ter
apetite de; devorar é engolir de uma só vez, comer avidamente e roer é cortar com os
dentes, devorar ou destruir aos
bocadinhos, de modo contínuo. Percebe-se, então, a
personificação e a comparação da vaidade com o roedor, já em nível animalesco. Ela rói
aos poucos e continuadamente, dos seres de exterioridade e de mundanidade aos seres
religiosos. Se o jornal alimenta a vaidade, os vaidosos precisam sanar uma das
necessidades básicas: matar a fome, isto é, “vir no jornal”.
Ele termina o enunciado anterior dizendo que nem os religiosos estão livres da
vaidade. No enunciado seguinte, demonstra o seu ponto de vista. Ao dizer “Entramos na
quaresma”, tem-se a localização temporal da carta. E é a partir do significado bíblico
desse período, que Fradique vai persuadir Bento de S.: “(é entre as Cinzas, e com
cinzas, que te estou moralizando)”. Logo, fundar um jornal não é uma idéia sadia, ao
contrário, é daninha e execrável.
O seu discurso epistolar argumenta que para conseguir espaço no jornal, o mundo
se arremessa, se agacha, ou melhor, se humilha para ter as duas asas (folhas) que o
levem a “gloríola”, à glória vã, inútil e “lhe espalhem o nome pelo ar sonoro”. Usa o
substantivo gloríola, de forma pejorativa, para dizer que tudo isso é uma bobagem, uma
conquista inútil, mas, mesmo assim, o homem quer seu nome levado, por um canal
ubíquo (o jornal), e espalhado pelo mundo. Por essa pequenina glória, pela simples
vontade de aparecer no jornal, por vaidade é que:
os homens se perdem, e as mulheres se aviltam, e os políticos desmancham a ordem do
Estado, e os artistas rebolam na extravagância estética, e os sábios alardeiam teorias
mirabolantes, e de todos os cantos, em todos os gêneros, surge a horda ululante dos
charlatães... (QUEIROZ, s/d).
Tudo isso acontece porque o homem quer ter um dia de gloríola, por vaidade e por
publicidade e aí surgem os charlatães, porque eles fazem qualquer coisa para estar no
jornal e, por outro lado, o jornal divulga juízos ligeiros e insufla a vaidade, é por isso
também que a imprensa é considerada o quarto poder, pois há um tipo de barganha: o
homem precisa do jornal e o jornal precisa do homem e aí ela constrói, destrói, mitifica,
aplaude, censura...
Ao término do parágrafo anterior, conclui-se que o ato ilocutivo leva ao ato
perlocutivo. Este parágrafo configura o que foi dito e o eixo deste quinto parágrafo está
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